Ministra italiana é vítima de racismo institicional
 

Militantes do movimento negro comentam o preconceito na Itália

Nei D’Ogum, militante do movimento negro em Santa Maria (RS) e do Congresso Nacional Afro-Brasileiro, explica que atos de discriminação racial na política são chamados de racismo institucional. É esse tipo de discriminação que vem sofrendo a ministra da Integração italiana, Cecile Kyenge, que, na última sexta, 26, foi agredida com bananas arremessadas em sua direção. Essa não foi a primeira vez que Cecile foi vítima de discriminação: ainda no início do mês de julho, um membro do partido Liga do Norte (extrema-direita) comparou a ministra - cidadã italiana nascida na República Democrática do Congo – a um orangotango.

“O movimento negro brasileiro aponta que existe o racismo, que não temo s uma democracia racial, que os negros sofrem um processo diferenciado, desigual, por parte da sociedade brasileira como um todo. Para populações desiguais, temos de ter tratamentos desiguais”, diz Nei D’Ogum, lembrando que todos os partidos políticos brasileiros – desde os de extrema direita até os de esquerda – apresentam cotas para mulheres, reservando a elas 20% da nominata para o Legislativo. “Apontamos que também deveria existir cotas para negros nos partidos políticos”, defende o militante.

Para o professor do departamento de Extensão Rural da UFSM, Paulo Silveira, o preconceito racial continua forte, não só na Europa como no Brasil, pois, historicamente, os grupos de poder desenvolveram um imaginário social que desvaloriza os negros – bem como outros segmentos étnicos não-europeus. “Na verdade é uma disputa de poder. Quando as pessoas vêem que os negros ou outros grupos étnicos minoritários começam a assumir posições de d estaque, sentem-se ameaçados de perder seus direitos, sempre preservados. Os negros quando se manifestam provocam grande ameaça, pois contestam aquilo que parece muito correto e tranquilo. E quando se insurgem contra o racismo acabam contestando toda ordem estabelecida na sociedade, que garante lugares diferentes para brancos e negros”, avalia Silveira.

Nei D’Ogum questiona as bases educacionais que corroboram tal visão eurocêntrica de mundo. Ele exemplifica com a Lei 10.639, que exige obrigatoriedade, nos currículos de ensino básico e médio, de disciplinas que contem a história dos africanos e dos afro-brasileiros. Entretanto, apesar de decretada há dez anos, ainda não foi implementada. “Sei da história dos italianos, dos alemães, que foram importantes para o povo brasileiro. Mas dos africanos não... eles passam em branco, e nós queremos passar em preto”, diz Nei, e completa: “Acreditamos que esse é um dos motivos do racismo no Brasil: não sabermos as contribuições que os africanos e afro-brasileiros deram a esse país”.

Ações afirmativas

Para Nei D’Ogum, é preciso ações afirmativas que dêem um tratamento diferenciado a populações diferenciadas. Ele destaca que o Brasil é o segundo maior país com população negra, apresentando 60% de população afrodescendente.

Paulo Silveira também aposta em uma estratégia similar. Ele ressalta que, quando se aboliu a escravatura em nosso país, a e lite não só restringiu o acesso dos negros à terra e aos postos de trabalho, como disseminou na cultura brasileira a idéia de inferioridade dos negros, mantendo-os afastados e discriminados.

“Como superar isso é uma questão muito complexa. Necessita de toda uma luta social, que passa pela tolerância à diferença. O discurso é de que todos somos iguais, e esse discurso só serve para camuflar as diferenças. Somente quando assumirmos as diferenças concretamente existentes e não nos apegarmos a uma igualdade formal, que na prática não tem nenhum sentido, conseguiremos minar esse racismo institucionalizado e culturalmente enraizado”, opina o docente.

Enquanto isso, na Itália, Cecile defende que o país comece um processo de reflexão sobre o racismo. “As reações aos insultos, que vejo no país, acabam por unir a Itália ‘boa’ e, quem sabe, ajudar a despertar muitas consciências, que durante anos estiveram um pouco adormecidas”, avaliou a ministra.

 

 

Edição: ANDES-SN, 30/7/13.

 

 

 

Fonte: Sedufsm - Seção Sindical

 


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