Instituto de Biologia, Departamento de Biologia Animal
Carta Aberta de Professores da Área de Zoologia à Comunidade Universitária

 

Como deve ser do conhecimento de muitos, entre os dias 8 e 10 de outubro de 2014, nós, professores da Área de Zoologia do Departamento de Biologia Animal do Instituto de Biologia – IB dessa UFRRJ, decidimos suspender nossas atividades didáticas. Nosso intuito não foi apenas o de protestar por melhores condições físicas e materiais, mas também, nos reunir para avaliar as condições de trabalho (envolvendo especificamente ensino) que a universidade nos oferece e para, coletivamente, pensarmos em ações que possam culminar com a reversão definitiva do quadro atual, que não é nada bom, como explicitaremos abaixo. Compreendemos que as mudanças necessárias para que sejam concretizadas as melhorias almejadas devam estar relacionadas às ações de cunho administrativo a curto, médio e longo prazo. Para isso, faz-se necessária a definição de atividades planejadas e coordenadas no âmbito do Departamento, da Diretoria do Instituto de Biologia e da Administração Superior. Nosso intuito, com essa carta, é o de nos apresentar como corpo docente desta Universidade e expor, de maneira sucinta, as questões que nos levaram a uma opção mais radical que culminou na suspensão de nossas atividades de ensino. 

A Área de Zoologia é uma subdivisão acadêmica do Departamento de Biologia Animal, do Instituto de Biologia da UFRRJ. Os professores desta área são responsáveis por 14 disciplinas, das quais sete correspondem ao quadro de disciplinas obrigatórias para o curso de Ciências Biológicas, o que representa 28,7% da carga horária total de disciplinas do Curso e a 14,4% da carga horária de disciplinas obrigatórias. Tal carga horária é mandatória e segue instruções normativas das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Ciências Biológicas que, entre outras normas, declara que o Bacharel em Ciências Biológicas deve ter “conhecimento profundo da diversidade dos seres vivos”. Para tal, um conjunto de disciplinas guia a formação profissional dos alunos sobre variados Filos de organismos animais, o que inclui conhecimento de um número que pode variar, segundo estimativas científicas, entre 3 e 30 milhões de espécies que ocupam todos os biomas do planeta Terra e incluem conhecimento sobre seus registros fósseis. Além disso, a Área de Zoologia também é responsável por uma demanda média de 250 alunos por período, de outros institutos, através da disciplina Zoologia Geral, que é obrigatória para os cursos de Agronomia, Engenharia Florestal, Licenciatura em Ciências Agrárias e Zootecnia. 

            O corpo de professores da Área de Zoologia inclui um grupo de especialistas em diversos aspectos da diversidade de organismos animais. Temos em nosso quadro Doutores especialistas em Anelídeos, Anfíbios, Aves, Formigas, Morcegos, Peixes e Répteis. Esse quadro atua na orientação e co-orientação de alunos de graduação em programas de iniciação científica e pós-graduação em programas da UFRRJ ou de outras instituições. Compomos um grupo de pesquisa na Universidade com apreciável volume de publicações científicas, que envolvem artigos em periódicos nacionais e internacionais, livros e capítulos de livros. A busca de financiamento para pesquisas por professores da Área de Zoologia também merece destaque, uma vez que aqui já tivemos, ou temos projetos custeados por agências de fomento estaduais, federais e outras, como, por exemplo, a Petrobras e a Light. Prestamos também serviços relacionados às atividades de extensão, que envolvem tratar de questões ligadas à preservação de Biodiversidade para agências governamentais (ICMBio, IBAMA, INEA etc.). Além das atividades de ensino em disciplinas obrigatórias e optativas, vários professores da Área atuam também na orientação de Atividades Acadêmicas (AAs), que são obrigatórias para a formação dos alunos na Licenciatura em Ciências Biológicas. 

No quadro de professores, temos entre nós um professor titular, Professor Oswaldo Luis Peixoto; um ex-reitor, Professor Adriano Lúcio Peracchi que, embora aposentado, ainda atua na orientação de alunos de pós-graduação no programa de Pós-Graduação em Biologia Animal (IB) e pós-doutorados; um ex-Pró-reitor, Professor Ildemar Ferreira, que também já ocupou o cargo de Diretor do Instituto; um coordenador de Programa de Pós-Graduação, Professor Francisco Gerson Araújo; um diretor adjunto do Instituto, Professor Antônio José Mayhé Nunes, que também já atuou como coordenador do Curso de Graduação; uma vice-chefe do Departamento de Biologia Animal, Professora Lenir Lemos Furtado Aguiar; uma ex-coordenadora de graduação, Professora Ana Claudia dos Santos Brasil, que também atuou como coordenadora acadêmica do vestibular da Universidade antes do ENADE; e o atual vice-coordenador do Curso de Graduação, Professor Hélio Ricardo da Silva. Essa lista de atividades administrativas evidencia o engajamento dos professores desta área com o Curso, com o IB e com a Universidade. A própria história de criação do Curso de Graduação em Ciências Biológicas e do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal (com conceito 5 em duas avaliações consecutivas da Capes), também evidencia a dedicação de professores que fazem ou fizeram parte desta Área, que sempre assumiu e continua a assumir, perante o Instituto, compromissos atribuíveis aos de um Departamento Acadêmico, que, com certeza, o quadro de docentes tem qualificações, comprometimento e qualidades suficientes para pleitear. 

            Entretanto, apesar desta inquestionável qualificação profissional e do engajamento histórico de membros da Área, ao longo da última década, testemunhamos a deterioração do prédio histórico e quase centenário do Instituto de Biologia. Ressaltamos, também, que as condições básicas para o desenvolvimento das nossas atividades também decaíram muito. As principais salas utilizadas para as disciplinas da Área encontram-se dentro do prédio principal do IB, sendo elas: os laboratórios 18 e 28, e o anfiteatro 14. Salas do Anexo I também são utilizadas. As disciplinas com aulas práticas (dez no total) são ministradas, necessariamente, nos Laboratórios 18 ou 28, que também são utilizados em aulas de disciplinas de outros departamentos do Instituto de Biologia (Departamento de Genética e Departamento de Ciências Fisiológicas). Trabalhamos em salas com mobiliário antigo e desconfortável para os alunos, alguns há pelo menos 4 décadas. Mobiliário este que, também serviu a ex-alunos, que hoje são professores em diversos setores da Universidade, e alguns, inclusive, participam da Administração Superior. As instalações elétricas são tão antigas que, em alguns pontos, ainda são feitas com fios encapados com pano e os disjuntores, embora importados, possivelmente datam da inauguração do prédio. O mesmo quadro vale para o sistema de água e esgoto e para condições mínimas de segurança dos alunos e professores. A água no IB sai das pias de laboratórios, salas e banheiros com a cor de ferrugem e já fomos surpreendidos, dentro de salas de aula, com água transbordando de ralos dos laboratórios 18 ou 28. Não existe local adequado para armazenamento dos espécimes utilizados em salas de aula assim como para guardar material óptico, e não temos ciência da existência de previsões orçamentárias para manutenção e/ou substituição do material existente.           

            Outra consequência da falta de planejamento, projetos físicos adequados, infraestrutura e manutenção edilícia e de equipamentos refere-se à dotação orçamentária que não prioriza, por exemplo, as ações ligadas às aulas práticas que demandam a aquisição e preservação de espécimes. Esse material biológico é coletado através do esforço dos professores, fixado e armazenado em solução de álcool ou a seco para possibilitar a manipulação sem riscos à saúde dos docentes e discentes. Os espécimes são utilizados para visualização das estruturas chaves que ajudam a identificar os vários grupos zoológicos e também facilitar a compreensão de hipóteses propostas de mudanças evolutivas que ocorreram entre os grupos estudados. Essa coleção didática envolve também espécimes preparados em lâminas de vidro (para observação em microscópio óptico), e estes, assim como os demais, mesmo quando mantidos em condições ideais de conservação, são frequentemente danificados pela manipulação e precisam ser descartados e substituídos. A disponibilidade de álcool, portanto, é um dos recursos fundamentais para a conservação de espécimes por essa via. No entanto, também não existe previsão regular para suprimento de tal fim e as demandas solicitadas nem sempre são atendidas com base nas necessidades. Como não temos previsão orçamentária para essas atividades, a coleção didática é também precária. Como resultado e para que os alunos não sejam ainda mais prejudicados, algumas aulas práticas são ministradas com espécimes comprados pelos professores.  

Destacamos, ainda, que o equipamento básico de formação profissional dos futuros Biólogos, composto por microscópios e lupas encontra-se em estado bastante precário, não sendo mais suficiente em número e em qualidade para atender as aulas. O uso constante deste equipamento demanda planejamentos de manutenção periódica que não estão em prática. Os poucos aparelhos disponíveis, dos mais antigos, que ainda têm a parte óptica em bom estado, não apresentam mais iluminação que permita o uso. Nas salas e laboratórios localizados no prédio principal, não dispomos de material audiovisual instalado. Aos professores desta Área cabem, no início de cada aula instalar os dispositivos (data show, laptops e TVs), muitos de propriedade particular, e, ao final das mesmas, desinstalar todo o equipamento audiovisual. 

            Somado a essa lista de problemas de ordem material, a Área de Zoologia lotada no Instituto de Biologia no prédio principal do IB, conta apenas com um auxiliar técnico, para as atividades gerais de laboratório de aulas práticas. Cabe lembrar, no entanto, que parte dos serviços em sala de aula também demanda a presença de pelo menos um técnico Biólogo. 

Frente a este quadro, que é lamentável, nos vimos obrigados a expor essas condições e a clamar por reformas estruturais em caráter de urgência. Para tanto, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, da qual faz parte o IB, necessita a implementação de políticas modernizadoras e eficientes na condução das demandas cotidianas. Trata-se, portanto, de construir ações profissionalmente planejadas. Nessa mesma direção, a tomada de decisões com o rigor e celeridade que o mundo contemporâneo requer, implica imediatamente na inclusão dessas questões aqui relatadas nas pautas de discussões do Departamento, da Direção do Instituto e da Reitoria da UFRRJ. Estamos, finalmente, convictos quanto à necessidade em zelar pela formação de excelência para os futuros profissionais e, também, quanto ao nosso compromisso para com o lema da educação pública, gratuita e de qualidade. Com isso, ensejamos novas reflexões e ações efetivas que se propaguem em nossas salas de aula e laboratórios didáticos.

 

 

Seropédica, Campus da UFRRJ, 15 de Outubro de 2014.

Professores da Área de Zoologia