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O caso Moïses: como racismo e xenofobia atuam na desumanização de corpos negros no Brasil  

4 de fevereiro de 2022

Reportagem da Semana

Por Pollyana Lopes e Larissa Guedes

 

Arte de fundo da imagem: Thaís Trindade (@artivistha).

 

 

No dia 24 de janeiro, depois de trabalhar no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, Moïse Mugenyi Kabagambe resolveu cobrar duas diárias de trabalho atrasadas no valor de 200 reais. Ao invés do pagamento pelo trabalho, o jovem congolês, que vivia no Brasil há mais de 10 anos, foi espancado até a morte por cinco pessoas.

 

Para denunciar o caso e cobrar justiça por Moïse, acontecerá, no próximo sábado, dia 5 fevereiro, às 10h, um protesto em frente ao quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca (Posto 8), onde Moïse trabalhava e foi morto.

 

A ADUR-RJ presta solidariedade à família de Moïse. A entidade também denuncia o racismo e a xenofobia sem precedentes do crime e cobra das autoridades uma resposta sobre o caso. Além disso, porém, é preciso apontar que o que aconteceu com Moïses não é um caso isolado e suscita o debate sobre racismo, xenofobia e a banalização da violência presentes na cultura brasileira.

 

Moïse Mugenyi Kabagambe vivia no Brasil desde 2011. O congolês foi brutalmente assassinado após cobrar por diárias atrasadas de seu trabalho. Imagem: reprodução arquivo pessoal.

 

Brasil: um país fundamentado no racismo

 

Por mais de três séculos, o sequestro de pessoas africanas para o trabalho forçado no Brasil foi a base da economia deste país. A vinda de milhões de pessoas nesta condição, em um sistema de organização econômica e social tão estruturado deixou marcas profundas na cultura brasileira como um todo. 

 

O professor do Departamento de Educação e Sociedade na UFRRJ, e vice-coordenador do Laboratório de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da UFRRJ, Leafro, Otair Fernandes de Oliveira, comenta sobre como a herança escravocrata do nosso país combina também elementos oriundos do colonialismo e do desenvolvimento do capitalismo para a formação do Estado brasileiro.

 

“Nesse contexto, a questão da raça sempre foi um elemento classificatório e determinante dos lugares sociais na sociedade brasileira. E onde estão os negros na sociedade brasileira? Como foi a escravidão e o que aconteceu no pós escravidão com os ex-escravos? Olha a diferença do que aconteceu com os ex-escravos e o que aconteceu com os imigrantes que foram incentivados pelo estado brasileiro. Muitos, ao chegarem aqui, receberam terras doadas pelo governo. Enquanto isso, os ex-escravos estavam saindo pelos fundos das fazendas e vindo para as cidades para ocupar os lugares mais inóspitos, mais íngremes e de difícil acesso, estavam vindo para as cidades para trabalhar nas profissões ou ocupações com regimentos inferiores”, aponta o docente.

 

No período pós-escravidão, uma série de políticas públicas pautadas por ideias racistas que acreditavam no embranquecimento da população, incentivaram a imigração de pessoas brancas, principalmente europeus, enquanto proibia a entrada de africanos. Otair explica como as ideias eugenistas fundamentaram este movimento que contribuiu para a ideia de inferiorização da raça.

 

“Hoje, apesar dos avanços da ciência comprovarem que só existe uma raça, esse imaginário social brasileiro ainda sofre daquilo que nós chamamos de africanofobia ou negrofobia. A elite social brasileira, o imaginário social que toma conta dessa nação ainda tem um problema a ser resolvido, que não foi resolvido com a democratização, que é a africanofobia e a negrofobia. Essas ideias acometem a mentalidade brasileira, principalmente na política, os nossos governantes, as nossas elites, e essa lógica contribui para a perpetuação do racismo no qual vários casos, mas esse caso do Moïses é um dos efeitos cruéis desse racismo que está na nossa estrutura social brasileira”, ressalta ele.

 

O mito do acolhimento aos imigrantes

 

Culturalmente, o país sustenta uma ideia de pátria acolhedora e receptiva à quem chega de fora do país, já que nós, brasileiros, seríamos “todos imigrantes”. No entanto, historicamente, esta é uma ideia que não se sustenta, já que nunca se aplicou às pessoas negras. Se no pós-escravidão o país incentivou a imigração européia e proibiu a entrada de africanos com o objetivo de embranquecer a população, nos tempos atuais, o tratamento de imigrantes africanos continua sendo a coerção e a violência.

 

Para o professor Otair Fernandes, no caso de Moïses, há uma combinação de opressões como racismo e xenofobia, uma vez que o jovem não era apenas um homem negro, mas um imigrante africano. O pesquisador chama atenção para o fato que a mesma opressão não se estende para imigrantes brancos vindos do continente europeu, por exemplo. 

 

“Alguns aqui não tem xenofobia contra suecos loiros, alemães e que vem com grana pra cá, muitos deles, inclusive, para promover o tráfico e a questão sexual, prostituição. Existe toda uma rede articulada em que imigrantes europeus estão diretamente envolvidos. Mas a nossa xenofobia, de alguns de nós, não é para todo mundo, é contra o imigrante africano. E pior ainda quando é refugiado. Porque aí o refugiado não tem condições e vem pra cá para sobreviver, sai da sua terra natal por alguma razão, política ou de guerra, principalmente, a questão dos refugiados no mundo é uma das grandes questões no mundo atual hoje e o Brasil não tem uma política. E esses refugiados dependem muito da solidariedade da população. A maioria deles estão nas comunidades integrando, como a família do Moïses, dependente das ações generosas da igreja, das entidades filantrópicas, mas o governo mesmo, qual é a política pública para esse refugiado?”, questiona o docente. 

 

Os casos recentes de violências brutais e fatais contra imigrantes africanos são inúmeros. Recentemente, em 2020, o refugiado angolano João Manuel trabalhava como frentista em Itaquera, na Zona Leste da cidade de São Paulo, quando foi esfaqueado e morto por motivações xenofóbicas. A discussão que provocou o assassinato foi o pagamento de auxílio emergencial para imigrantes.

 

Em 2011, um estudante guineense de economia da Universidade Federal do Mato Grosso foi espancado até a morte, em Cuiabá. Dois policiais militares foram indiciados pelo assassinato.

 

E os casos de violência racial continuam se reproduzindo cotidianamente não apenas contra os imigrantes de países africanos, mas contra os próprios afro-brasileiros. Na véspera do Dia da Consciência Negra em 2020, João Alberto de Freitas, um homem negro brasileiro, foi brutalmente assassinado, apesar da intervenção de testemunhas, dentro de uma unidade da rede de supermercados Carrefour, por seguranças do próprio mercado. 

 

Desumanização: o que dizer diante do indescritível?

 

A divulgação do que aconteceu em uma praia, em bairro nobre do Rio de Janeiro, tem chocado por tamanha desumanização. Porém, a barbárie não foi suficiente para paralisar as atividades do quiosque. 

 

Depois dos 15 minutos de violência, enquanto o corpo morto de Moïse estava atrás do estabelecimento, o atendimento no quiosque continuava. Apesar de chocante, a cena de uma corpo negro desfalecido enquanto a vida ao redor continua não é novidade, ao contrário, inúmeros casos recentes comprovam que a capacidade de se moblizar diante da morte é seletiva.

 

Moïse Mugenyi Kabagambe veio para o Brasil com apenas 11 anos de idade junto com sua família composta pela mãe, irmãos e primos. O pai de Moïse havia falecido por conta da guerra que ocorria em seu país natal, a República Democrática do Congo.

 

Após o crime, a família de Moïse só foi informada da morte cerca de 12 horas depois. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o tio de Moïse, Mamu Idumba Edou, relatou que um colega do rapaz que também estava presente no quiosque na hora do crime sofreu ameaças de morte se revelasse o ocorrido. Com medo, o amigo de Moïse fugiu para conseguir avisar à família que o jovem havia sido assassinado. 

 

“A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas Mas, hoje, não sei mais”, disse a mãe do rapaz, Ivana Lay, em relato ao jornal “O Globo” publicado nesta terça-feira, 1 de fevereiro. Agora, a família pede justiça.

 

Ivana Lay, mãe de Moïse, busca por justiça. Imagem: Zô Guimarães/UOL

 

Agressores estão detidos, mas dono do quiosque é protegido

 

No dia 1 de fevereiro, 3 homens foram presos pela participação no assassinato de Moïse. Um deles, identificado como Fábio Silva, é vendedor ambulante de caipirinhas e foi encontrado na Zona Oeste do Rio escondido na casa de parentes. 

O segundo, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, se apresentou na Delegacia de Bangu, também na Zona Oeste, admitindo ter cometido as agressões contra o jovem congolês, mas negando que tivesse intenção de matá-lo. 

 

O terceiro agressor detido não teve a identidade revelada, assim como o dono do quiosque Tropicália. Segundo os advogados do dono, ele não conhece os agressores. A defesa também negou que o quiosque devesse diárias de trabalho para Moïses. Em depoimento à polícia, o dono também argumentou que não estava no quiosque no momento do crime.  

 

Protesto por justiça no dia 5, próximo sábado: por que é tão importante se mobilizar?

 

Como citado anteriormente, neste sábado, 5 de fevereiro, vai acontecer um ato organizado em frente ao quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, para denunciar o crime brutal e pedir justiça por Moïse. A manifestação é mais uma maneira de manter a pauta de luta pelo fim da violência racial e da xenofobia nos holofotes, cobrar pelo fim da impunidade, exigir que as investigações continuem e que os assassinos sejam responsabilizados pelo que fizeram. 

 

O ato contará com o apoio e a participação de mais de 130 entidades nacionais e internacionais, de profissionais, como a ABI – Associação Brasileira de Imprensa, diversas organizações que militam no movimento negro, como a Uneafro Brasil (RJ), grupos de estudo acadêmicos de universidades e institutos federais, coletivos de militância organizada,  sindicatos, entre muitos outros. 

 

O professor Otair Fernandes tem participado dos eventos de organização do ato e das mobilizações nas redes sociais. Ele considera que o ato do dia 5 é uma forma das entidades mostrarem que não basta apenas se indignar com a barbaridade do crime, mas mostrar que é preciso mudar radicalmente as estruturas do Brasil. 

“(…) Para mudar isso temos que atacar em todos os níveis, em todas as esferas, desde as universidades, desde as políticas do executivo, passando pelo legislativo e passando pela mentalidade do judiciário. E principalmente, pelos protocolos das forças de repressão, das forças policiais, porque morrem jovens negros todos os dias nessa cidade e nós assistimos pela televisão ou presencialmente. Não basta só se indignar, é preciso lutar contra o racismo, e a luta contra o racismo também é a luta contra o capitalismo, já dizia Angela Davis, e a luta contra o individualismo possessivo. A nossa luta, nossa mobilização passa pelo coletivo e passa pela luta anti individualista, que hoje permeia muitas das nossas ações”, conclui o professor.


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