reflexões sobre o pontificado
O legado papal: o resgate da religião

Leonardo Boff*

 

João Paulo II foi um homem de profunda fé. Creu em tudo o que perfaz a galáxia eclesial, dede a água benta, as relíquias, os santos, os lugares sagrados até a SS. Trindade. A metafísica católica (a forma como os católicos entendem e organizam o mundo) é assumida em sua inteireza sem nenhuma restrição. Ele creu e assumiu aquilo que a Igreja diz que é sua função como Papa, descrita na primeira página do Annuario Pontificio:” bispo de Roma, vigário de Jesus Cristo, sucessor do príncipe dos Apóstolos, sumo pontífice da Igreja universal, patriarca do Ocidente, primaz da Itália, arcebispo metropolita da Província romana, soberano do Estado da Cidade do Vaticano e servo dos servos de Deus”.

O Papa subjetivamente incorporou este seu múnus. E o fêz com absoluta convicção e inteireza. Ajudou-o o carisma que recebeu de Deus: a sedução de sua figura imponente, atlética e irradiante. Ajudou-o o fato de ter sido ator e que, naturalmente e com “grazie” sabia produzir uma irresistível dramatização mediática com o gesto impactante e a palavra exata. E tudo isso a serviço da causa da religião. Há nele uma fortíssima condensação do religioso, do espiritual e do místico que transparece no rosto que ora se transfigura, ora se fecha em contemplação e ora se contorce em dor. Empunhava a cruz com solenidade e força com quem empunha uma lança de cavaleiro conquistador.

O importante não é a avalanche de documentos de toda ordem que deixou, ultrapassando mais de cem mil páginas. O grande discurso é sua figura. O que permanecerá na história é sua imagem carismática, ao mesmo tempo vigorosa e terna e profundamente religiosa. Qual é o seu legado? Ele mesmo. Qual o conteúdo deste legado: a religião.

O legado: ele mesmo como uma figura carismática que veio preencher um vazio sentido no mundo inteiro. Há uma orfandade de líderes carismáticos. Os que existem ou são belicosos ou burocratas do poder. Não há um Gandhi, um Luther King, um Che Guevara ou uma Madre Teresa. As massas sentem a carência de um Edipo benfazejo, de um pai com características de mãe, do qual derivam inspiração e direção para o futuro. João Paulo II apontou um caminho.

O conteúdo: o resgate da religião para a publicidade do mundo, como força de galvaniza massas e como poder político, decisivo na derrocada do regime soviético. Contra a tendência secularizante da modernidade que tornara a religião politicamente invisível, João Paulo II mostrou que ela parte essencial da realidade e que pode produzir paz ou guerras.

Podemos discutir a orientação que deu à religião, numa linha conservadora, doutrinariamente fixista e moralmente rígida. Mas não podemos negar a relevância do elemento religioso e místico na configuração da nova humanidade.

Não obstante todos estes valores positivos, um cristão crítico não deixa de se perguntar Consciência e espiritualidade

da Comissão Internacional da Carta da Terra

Não são poucos os analistas do estado da Terra que advertem: ou mudamos de padrão de relacionamento com a Terra ou vamos ao encontro do pior. É nesse contexto dramático que surge a urgência da espiritualidade. Ela possui um valor em si, independentemente, das conjuturas históricas, como as que estamos vivendo. Mas atualmente, em situação de alto risco, parcamente conscientizado pela maioria dos seres humanos, ela é invocada urgentemente, pois representa uma das fontes secretas de um novo modo de ser que nos poderá salvar.

1. A urgência da espiritualidade na crise atual

Por que, exatamente, a espiritualidade? Porque em seu seio, normalmente, irrompem os grandes sonhos para cima e para frente, sonhos que podem inspirar práticas salvacionistas. Notáveis antropólogos, como Claude Levy Strauss e C. Geertz tem afirmado que quando um paradigma civilizatório entra em crise, quando as estrelas-guias se obnubilam e o horizonte de esperança de um povo perde sua capacidade de gerar sentido, emerge, irreprimivelmente, a espiritualidade. É o que ocorre hoje, praticamente, em todas as culturas e no mundo inteiro.

Que significa aqui a espiritualiadade? Sem detalharmos uma resposta mais elaborada que apresentaremos adiante espiritualidade é aquele conjunto de valores e de significados que dão sentido à nossa vida cotidiana, valores e significados que nos acompanham ao largo da vida e vão até à morte, que fundam nossos juizos de valor sobre as mais variadas situações da vida. Espiritualidade engloba tanto realidades transcendentais que têm a ver com o destino último da vida, quanto o encantamento de um céu estrelado, do enternecimento diante de um recém nascido e o fascínio entre duas pessoas que se amam bem como o encontro devoto com Deus na oração e na contemplação. Tudo isso é expressão de espiritualidade.

Numa palavra, tudo o que tem a ver com a experiência profunda do ser humano, com seu mergulhar nas raízes da realidade, constitui o campo da experiência do espírito, donde vem espiritualidade. Espírito representa a capacidade do ser humano de captar uma totalidade de sentido e de reinventar novas perspectivas de valor a partir das virtualidades presentes na própria realidade. Fundamentalmente desta experiência espiritual nascem os paradigmas civilizacionais, capazes de fazer outra história e suscitar esperança às comunidades humanas e às pessoas.

Normalmente, a espiritualidade encontra seu nicho natural no seio das religiões. Elas nascem da experiência espiritual do fundador, do profeta e do carismático. No seio delas se elaboram as grandes utopias da humanidade, visões de um sentido que transcende a fugacidade dos tempos e alcançam a transcendência e a eternidade e simultaneamente iluminam a opacidade do cotidiano.

Em épocas de crise constituem elas o húmus fértil de novas perspectivas. São elas que permitem a passagem de um paradigma a outro, mantendo o continuum da história humana.

Mas a espiritualidade não configura monopólio das religiões, embora estas sejam o campo privilegiado de sua emergência e expressão. A espiritualidade representa uma dimensão do profundo humano. Ela pertence estruturalmente ao ser humano com o mesmo direito de cidadania como o poder, a sexualidade, a racionalidade e o cuidado. Por isso ela emerge nas pessoas mesmo que estas não tenham nehuma inscrição religiosa definida. Esta espiritualidade antropológica nunca deverá ser esquecida ao abordarmos a espiritualidade no contexto da crise civilizacional de hoje.

Por fim, há de se superar o antropocentrismo, tão visceral em nossa cultura. A espiritualidade se encontra também na própria estrutura do universo. O espírito está em nós porque, anteriormente, está no universo, do qual somos parte e parecela. A Carta da Terra alude a isso quando se refere ao nosso "parentesco com toda a vida" e ao "mistério da existência" face ao qual cabe nossa "reverência, humildade e gratidão"(prólogo).

Em nossa exposição obederecemos à seguinte estratégia: em primeiro lugar consideraremos a contribuição da espiritualidade de fundo religoso para superar a crise atual; em segundo lugar, nos acercaremos da espiritualiadade antropológica e seu significado para a nova visão de mundo, fundada nas ciências da Terra, recolhidas pelo discurso ecológico; e por fim a espiritualidade cósmica como derradeira atitude de benevolência e comunhão com toda a realidade(1).

2. A espiritualidade religiosa: o mundo é sacramento

As religiões todas vêem a realiadade sub specie aeternitatis (na perspectiva da eternidade), vale dizer, na ótica de Deus. Deus é experienciado como a Fonte originária de todo o ser. Ele é experienciado como criador, provedor e sustentador do céu e da terra e de tudo o que eles contém. Ao criar, ele deixou marcas de seu gesto divino em todas as coisas. Todas são seus filhos e filhas. Ele não se deixa ver diretamente. Mas transparece em tudo que saiu dele. Por isso o universo, as estrelas, a imensa diversidade dos seres, especialmente os vivos e entre eles, os seres humanos, comparecem como sacramentos de Deus. Vale dizer, são sinais de sua inefável presença e instrumentos de sua atuação no mundo. Ele não tem senão nossos braços para mover o mundo humano.

Para a pessoa religiosa tudo vem perpassado de energias divinas, como o testemunham tão bem as religiões afro-brasileiras entre outras. Face a elas, se impõem a reverência, o respeito e a devoção. Deus está presente no mundo e o mundo em Deus, sem distância e mediação. É o que a teologia cristã chama de panenteismo ou com outros termos equivalentes em outras tradições. Mas importa não confundir panenteismo com panteismo. No panteismo, tudo indiferenciadamente, é Deus, os objetos, as montanhas, cada pessoa. No penenteismo se mantém a diferença irredutível (um é Criador e o outro é criatura) mas se acentua a mútua presença e a interpenetração.

Na teologia cristã se prolonga esta intuição com a fé na encarnação de Deus. Ele assumiu o ser humano e através dele, de alguma forma, todas as coisas. Elas começam a pertencer a Deus. Deus se faz ser humano para que o ser humano junto com todo o universo se faça Deus. Tal evento confere uma dignidade inaudita a cada criatura, pois comparece como lugar onde Deus mesmo pode ser encontrado.

Diz-se também que o Espírito penetrou a criação, vitalizando-a e conduzindo-a rumo sua culminância benaventurada, quando explodirá e implodirá para dentro de Deus. Uma antiga tradição transmitida pelos místicos da Igreja Ortodoxa grega, diz: "O Espírito dorme na pedra, sonha na flor, acorda nos animais e sabe que está acordado nos seres humanos". Ele é o Spiritus Creator.

Esta é a compreensão dos professantes da fé cristã. Isso, entretanto, não é ainda espiritualidade, mas doutrina. A espiritualidade surge quando a doutria deixa de ser doutrina e passa a ser experiência interior, quando passa do intelecto para o coração. Então ela se transforma em comoção e celebração. Não basta dizer que todos os seres são filhos e filhas de Deus. Para fazer surgir a espiritualidade, importa sentir essa verdade, abraçar a cada ser, cuidar dele como se cuida de um ente querido. Foi o que vivenciou Francisco de Assis com sua mística cósmica. Abraçando o mundo, ele estava abraçando Deus e vendo-o na lesma do caminho, no irmão Sol e na irmã Lua e na água cristalina.

Essa experiência é carregada de consequências para a vida cotidiana. Enche-nos de encantamento, supera nossa solidão, pois habitamos um mundo cheio de irmãos e de irmãs, devolve-nos a reverência e o cuidado face a cada ser. Ai descobrimos a comunhão universal e regressamos, humildes à comunidade terrenal e cósmica da qual nos havíamos exilado.

3. Espiritualidade antropológica: o ponto Deus

Em primeiro lugar o ser humano possui, exterioridade expressa pelo corpo. Mediante ele, somos parte do universo, compostos com os mesmos elementos físico-químico que as estrelas e nos fazemos presentes uns aos outros.

Em segundo lugar, o ser humano possui também interioridade expressa pela nossa psiqué. É o universo de desejos, emoções, imagens poderosas, arquétipos, idéias, visões de mundo que estão dentro de nós. Ao captarmos pelos sentidos corporais e espirituais ou pela intuição as coisas, elas são internalizadas e transformadas em imagens e símbolos. Elas falam e nós podemos captar sua mensagem. A montanha não é apenas montanha. Ele nos evoca majestade. O mar encapelado não é apenas mar. Ele nos faz entender o que é a violência indomável. Os olhos de uma criança não são apenas olhos. Eles revelam o mistério e a profundidade da vida. A pessoa amada, já o dizia Freud, é sempre também a pessoa imaginada, idealizada e transfigurada que nós queremos servir e com ela compartir do destino da vida.

Nós não existimos senão que co-existimos, sempre junto com outros seres com os quais mentemos relações de troca e de inter-retro-dependência. Nosso eu não fica recluso em si mesmo, mas ele é habitado pela casa que habitamos, pela rua familiar que moramos, pela cidade natal em que vivemos, pelo local de trabalho onde exercemos nossa profissão, pelos animais domésticos, pelas paisagens inesquecíveis de nossa história pessoal, pela pátria que amamos e pela Terra, a única Casa Comum que temos para habitar. Essas realidades não são meros fatos, são valores, funda o mundo das excelências. Sem eles morreríamos de esterilidade e de solidão.

Por fim, o ser humano possui também profundidade. Só ele coloca questões terminais, sempre presentes na agenda humana: de onde viemos, para onde vamos, que estamos fazendo aqui no mundo, que podemos esperar depois desta vida, por que sofremos com a traição do amigo e choramos tanto com a morte da pessoa querida? O que se esconde por detrás das estrelas? Qual é o fio condutor que tudo sustenta e faz com que o univeso não caia sobre nossas cabeças mas surja como harmonia sutil que encantou os salmistas como Davi e fascinou cientistas como Einstein? Por que o ser humano é perpassado por uma ânsia infinita de felicidade e de vida sem fim? Ele identificou na evolução cósmica aquele Vazio fecundo, aquele Estado de energia insondável de fundo, do qual tudo promana, a presença do Mistério que cerca todas as coisas, que as culturas humanas chamaram de Deus. Com Ele pode ser relacionar na oração que é um dialogar e intercambiar amorosamente com Deus. Pode entregar-se à meditação pela qual escuta o que Ele tem a dizer.

Quando tais eventos benaventurados surgem, aparece aquilo que é a dimensão do profundo do ser humano, aquilo que chamamos espírito. Especialmente aparece o espírito quando na nossa consciência nos sentimos parte e parcela do Todo que nos desborda. E quando emerge em nós a responsabilidade pelo mundo ao nosso derredor. Damo-nos conta de que podemos ser o Satã da Terra, bem como seu anjo bom e protetor. Somos chamados a ser o jardineiro que cuida e completa a obra deixada incompleta por Deus. É então que irrompe em nós a dimensão ética, de cuidado e responsabilização pelas coisas ao nosso redor. Espiritualidade consiste em cultivar esse espaço de profundidade, em enriquecer o Centro de nós mesmos, em alimentar a dimensão do espírito com a amorosidade, a solidariedade, a compaixão, o perdão e o cuidado para com todas as coisas. Por tais valores e atitudes se revela o espírito e se urde a espiritualidade. Quando vivemos esta espiritualidade nos sentimos engandecidos e nos descobrimos como projeto infinito. Somente o Infinito pode saciar nosso desejo infinito.

Pesquisas recentíssimas, do final do século XX, feitas por neuropsicólogos (Michael Persinger e V. S. Ramachandran), por neurologistas (Wolf Singer), por neurolinguistas (Terrance Deacon) e por ténicos em magnetoencefalografia detectaram o que foi chamado o "ponto Deus" no cérebro, retrabalhado holisticamente por Danah Zohar em seu recente livro "QS: inteligência espiritual"(Record, Rio, 2000).

Sempre que se abordam as questões espirituais referidas acima, verifica-se empiricamente uma excitação nos lobos temporais do cérebro. Esses lobos estão ligados ao cérebro límbico, que é o centro das emoções e dos valores. Isso signfica que a percepção do "ponto Deus" está vinculada não a uma idéia, mas a um fator emocional e experiencial, como dizíamos, à espiritualidade. Esse "ponto Deus" surgiu no processo cosmogênico e antropogênico para atender a um propósito evolutivo: captar e conscientizar, através do ser humano, a presença de Deus na dinâmica universal e em cada coisa. É no ser humano que irrompe esta consciência de Deus e do Sagrado. É nele que se elabora a espiitualidade. Em razão disso, afirmam estudiosos como a já citada física quântica Danah Zohar e seu marido, o psiquiatra Ian Marshall que nos seres humanos não vigora apenas a inteligência intelectual e a inteligência emocional, mas também a inteligência espiritual.

Transformando esse dado objetivo, a inteligência espiritual, em projeto consciente, reforçamos a espiritualidade como dimensão central de uma vida aberta, sensível, atenta às múltiplas dimensões do humano. Esta espiritualidade nos leva a cuidar da vida em todas as suas formas porque vemos nelas excelência e valor. Tudo o que existe, merece existir. Tudo que vive, merece viver. Ela nos ajuda superar a perigosa lógica do interesse, a dominante hoje, pela qual dominamos e nos apropriamos das coisas para o nosso uso e desfrute. Ela nos facilita a darmos lugar à lógica da convivência, da cordialidade, da reverência face à alteridade e da comunhão com todas as coisas e com Deus. A integração da inteligência espiritual às outras duas formas de inteligência (a intelectual e a emocional) nos abre à comunhão amorosa com todas as coisas, numa atmosfera de respeito e de reverência para com os demais seres, a maioria deles muito mais ancestrais que nós, acolhidos como companheiros e companheiras na grande aventura terrenal e cósmica.

4. O universo auto-consciente e espiritual

Nas reflexões da moderna cosmologia e física quântica (como em David Bohm, Ilya Prigogine, Danah Zohar, Brian Swimme, A. Goswami e outros) se sustenta a tese segundo a qual a consciência e o espírito são fenômenos quânticos, que emergem do transfundo das infinitas virtualidades da Fonte alimentadora de tudo (vacuo quântico).

Assim como nosso ser físico surgiu no processo cosmogênico, assim também nosso ser consciente e espiritual. Ambos são tão ancestrais como o universo. Por espírito se entende a capacidade das energias primordiais e da própria matéria de interagirem entre si, de formarem totalidades, de se autocriarem (autopoiese), de se auto-organizarem, de se constituirem em sistemas abertos, de se comunicarem e formarem teias cada vez mais complexas de inter-retro-relações que sustentam o inteiro universo. O espírito é fundamentalmente relação, interação e auto-organização em distintos níveis de realização. Desde o primeiríssimo momento da explosão primordial, criaram-se relações e interações, gestando unidades ainda rudimentares (dois quarks e protons) que foram se organizando de forma sempre mais complexa. Era alvorada do espírito. O universo é cheio de espírito porque é reativo, panrelacional e criativo. Nesse sentido não há seres inertes, à diferença de outros seres, chamados vivos. Todos participam, em seu grau, do espírito, da consciência e da vida. A diferença entre o espírito de uma montanha e o espírito humano não é de princípio, mas de grau. O princípio de interação e criação se realiza em ambos, apenas de forma diferente. O espírito humano é esse espírito cósmico que chega à autoconsciência, à fala e à comunicação consciente. O espírito que perpassa todas as coisas, ganha uma concretização especial nos homens e nas mulheres.

Se o espírito é vida e relação, então, o seu oposto não é matéria, mas morte, ausência de relação. A matéria é um campo altamente carregado de energia e de interações. Espiritualidade, neste contexto, é a potenciação máxima da vida, é compromisso com a proteção e expansão da vida. Não apenas da vida humana, mas da vida em toda sua incomensurável diversidade e em todas as suas fases de realização, hoje tão ameaçada pela voracidade do lucro e do consumo.

Vivenciar o universo como vivente, a Terra como Gaia, super-organismo vivo e Grande Mãe, sentir a natureza como fonte de irradiação vital e comungar com cada ser que encontramos como portador de propósito, irmão e irmã de aventura nesse imenso universo, é mostrar-se um ser espiritual, é realizar a espiritualidade em grau eminente, hoje absolutamente necessária à sobrevivência da biosfera.

O futuro da Terra como um Planeta pequeno e limitado, da Humanidade que não pára de aumentar, dos ecosistemas fatigados pelo excessivo estresse do processo produtivista, das pessoas humanas, confusas, perdidas, espiritualmente embotadas mas ansiosas por formas de vida mais simples, transparentes, autênticas e cheias de sentido, esse futuro depende de nossa capacidade de desenvolvermos ou não uma espiritualidade arraigada em nosso cotidiano.

Não basta sermos apenas racionais e religiosos. Mais que tudo temos que ser sensíveis uns aos outros, cooperativos em todas as nossas atividades, respeitadores dos demais seres da natureza, numa palavra, devemos ser espirituais. Só então irradiaremos como seres responsáveis e benevolentes com todas as formas de vida, amantes de nossa Mãe Terra e veneradores da única Fonte donde promana todo ser e toda benaventurança.

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(1) O tema da espiritualidade é amplamente abordado no conjunto de minha obra, onde se cita também a principal bibliografia. Remeto o leitor aos seguintes livros: Espiritualidade, um caminho de transformação, Sextante, Rio de janeiro 2001; Eco-espiritualidade: sentir, amar e pensar como Terra, em Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Atica, S.Paulo 1995, 285-308; O Espírito na Saúde, com J-Y.Leloup e outros, Vozes, Petrópolis 1997; O despertar da águia, o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade, Vozes, Petrópolis 1999; Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas, Verus, Campinas 2002; Crise: oportunidade de crescimento, Verus, Campinas 2003.

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: esse Pontificado nos chamou para a essência do legado de Jesus que nos disse: “vos sois todos irmãos e irmãs, não chameis a ninguém de pai na Terra porque um só é vosso Pai, aquele que está nos céus, não vos façais chamar de mestres, porque um só é vosso Mestre, o Cristo”? Os verdadeiros adoradores se encontram no grande espetáculo mediático ou quando “adoram o Pai em espírito e verdade”? Aqui outros são os critérios de avaliação.
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* Leonardo Boff é considerado um dos "pais" da Teologia da Libertação, movimento que sacudiu a Igreja de Roma e determinou, a partir de 1993, seu afastamento das funções religiosas. Concluído seus estudos acadêmicos, com o Doutorado na Alemanha, Boff exerceu permanente e decisiva influência nos segmentos de esquerda da Igreja Católica, tanto na América Latina, quanto na África e Ásia. É professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde mora. Foi professor visitante nas Universidades de Lisboa, Salamanca (Espanha), Harvard (Estados Unidos), Basel (Suíça) e Heildelberg, na Alemanha. É Doutor Honoris Causa da Universidade de Turim, Itália, e da Universidade de Lund, Suíça. Autor de mais de 60 livros e poliglota de 9 idiomas, Leonardo Boff é "cidadão do mundo". Um místico dotado de sensibilíssima alma de poeta e um escritor de refinada sofisticação.
 

Fonte: http://www.leonardoboff.com


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Veja também: ‘Papa confundiu o mundo com Roma e Roma com a Polônia’

 


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