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ADUR Online #EdiçãoEspecial: O CORONAVÍRUS E A SOCIEDADE QUE QUEREMOS

ADUR Online

21/03/2020.

 

Por Claudio Maia Porto¹

Nos últimos anos o Brasil tem adotado uma concepção de sociedade muito específica, sob os aplausos veementes de muitos segmentos, notadamente as elites sociais e econômicas, e muitos formadores de opinião. Essa concepção se fundamenta essencialmente na ideia dos méritos individuais e é muito bem sintetizada pela frase da ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher: “Não existe sociedade, existem indivíduos”. Segundo esse entendimento, que ganhou corpo em meados do século XX, como oposição à ideia do chamado “Estado do bem-estar social”, o indivíduo é o principal, se não o único, responsável por si, em todas as dimensões da vida social. Portanto, para aqueles que compartilham esse entendimento, não seria papel do Estado assegurar a quem quer que seja patamares mínimos de atendimento a demandas da existência humana, inclusive aquelas relacionadas à educação e à saúde; o único papel do Estado seria assegurar uma normalidade jurídica para que esses méritos individuais se exerçam e se concretizem em trajetórias mais ou menos exitosas. Em outras palavras, qualquer ação estatal no sentido de atenuar diferenças nascidas da dinâmica sócio-econômica é vista por eles como uma intervenção autoritária e moralmente injusta em um processo de seleção social de caráter darwinista. Os corolários dessa concepção são fáceis de se extrair: nada menos do que a retirada do Estado de sua posição de provedor das necessidades básicas da população, com o abandono de políticas públicas voltadas para isso.
Essa concepção tem sua tradução econômica em políticas fiscalistas, com sua ênfase monocórdica na necessidade de contenção de gastos e no combate aos déficits públicos, ênfase essa resumida na imagem da “dona-de-casa”, tão notória quanto descabida; afinal, ao contrário do Estado soberano, nossa gestora doméstica não dispõe de mecanismos de emissão de moeda e títulos para financiar suas despesas. Essa concepção fiscalista impôs à sociedade brasileira algumas consequências práticas do ponto de vista legal.

Primeiramente tivemos a Emenda Constitucional 95/2016, a chamada “emenda do teto de gastos”, que engessou severamente a capacidade de gastos do Estado, inclusive os investimentos públicos, essenciais para a retomada da atividade econômica em momentos de crise. Essa política de corte de gastos tem sido implementada ativamente, com drásticas reduções nos orçamentos da saúde e da educação, das quais as universidades públicas tem sido grandes vítimas. Agora, o governo federal busca a todo preço aprovar uma emenda constitucional, chamada “PEC Emergencial”, na mesma linha da primeira, isto é, estabelecendo previsões legais de mais cortes e limitações de despesas públicas.

Essas políticas econômicas não produziram no país qualquer outro resultado além do agravamento da contração da atividade econômica que nos atinge já há alguns anos. Esse quadro, por sua vez, produziu duas consequências gravíssimas: a primeira delas é, com a fraca atividade econômica, ocorre uma queda da arrecadação em proporção maior do que a economia obtida com os cortes de gastos, agravando a situação original de deficit que se procurava combater; a segunda delas consiste em um imenso contingente de desempregados e subempregados, que se acomodam como podem nas estruturas da vida social, principalmente urbana.
Essa concepção social tem também uma manifestação nas relações de trabalho, novamente segundo a linha das responsabilidades individuais, destruindo os mecanismos estatais e legais de proteção ao trabalhador, O país também assistiu, portanto, a investida legal contra os direitos trabalhistas promovida pela recente reforma de mesmo nome, defendida em nome de uma suposta expansão do mercado de trabalho que absolutamente não ocorreu, desde então. A flexibilização das relações de trabalho visada por essa reforma retirou de grande número de trabalhadores o amparo da sociedade, sem que o número de empregos formais tenha aumentado significativamente. Como expressão máxima dessa filosofia, o próprio Presidente da República afirma repetidamente que o povo brasileiro precisa optar entre ter emprego ou ter direitos trabalhistas.

Nesse cenário ocorreu a pandemia. Obviamente, há um elemento imponderável na ocorrência desse flagelo: quem é capaz de prever se uma epidemia ocorrerá agora, daqui a um ano ou daqui a dez? No entanto, há elementos que podem ser previstos e estão relacionados à forma de organização da sociedade: como seremos capazes de prestar assistência médica à população e como poderemos reagir aos impactos econômicos da crise decorrente da pandemia?

A primeira questão se refere diretamente às condições de nosso sistema de saúde, público, certamente, afinal, em um sistema privado as consultas médicas, os testes da doença e o tratamento seriam pagos, excluindo automaticamente boa parte da população. No entanto, como imaginar a capacidade de nosso sistema público de saúde, já naturalmente sobrecarregado, enfrentar adequadamente uma situação de extrema emergência como essa, estando submetido a cortes severos de custeio e expansão, assumidos dogmaticamente por uma política econômica que se reduz à redução do tamanho do Estado e de seus gastos? Uma política que, nessa área, beneficia apenas grandes empresas de seguro-saúde, sempre dotadas de poderosos e atuantes lobbies governamentais, em prejuízo da estrutura pública democraticamente voltada para a totalidade da sociedade.

Já a segunda questão remete ao cenário desastroso de um grande número de pessoas vivendo à custa de uma economia informal cujo movimento tende a quase cessar. O que dizer de milhares de pessoas que estamos acostumados a ver em conduções ou nas ruas, subsistindo pela venda dos mais variados produtos? Qual o impacto da violenta retração econômica decorrente da reclusão de boa parte da população sobre esses trabalhadores que sobrevivem totalmente por sua própria conta, sem qualquer tipo de amparo da sociedade?

Essa retração inevitável da economia exigirá medidas econômicas de estímulo enérgicas por parte do poder do Estado. Entretanto, o próprio Estado construiu uma legislação que a impõe a si mesmo uma camisa de força, tolhendo quase completamente sua capacidade de acorrer em socorro de sua população, como se essas emergências nunca pudessem ocorrer. Para combater a crise, será necessário a implementação de uma política agressiva de gastos públicos, capazes de impulsionar uma economia já combalida. Essa necessidade se chocará, contudo, com uma filosofia fiscal e, mais que tudo, com uma legislação fiscal, totalmente insensatas, implantadas durante um frenesi regressista e irracional que assolou a sociedade brasileira.
É preciso que se diga, portanto: a dramaticidade dessa situação sanitária, por si só já gravíssima, é um resultado das escolhas que o país parece ter feito sobre que modelo de sociedade deseja. De fato, a desumanização das relações sociais cobra o seu preço; no nosso caso, rapidamente. Frente a uma crise de grandes proporções como essa, não há outra esperança a não ser nos vínculos sociais que ainda resistem. Nesse momento, parafraseando às avessas a máxima neoliberal acima citada, não haverá indivíduos capazes de dar uma solução ao problema, somente a sociedade, operando de forma solidária.

Do ponto de vista prático, esse drama sanitário que vivemos agora nos dá a oportunidade de reavaliarmos que sociedade desejamos; certamente um caminho no sentido oposto ao que vínhamos adotando. Precisaremos abandonar a filosofia de que o Estado é um adversário da felicidade do indivíduo, revertendo todas essas iniciativas que visam a retirar sua presença, supostamente opressiva, de nossas vidas. Vemos, pelo contrário, que ele, bem estruturado, é, a resposta para muitas inquietações que acometem os cidadãos. No dizer de Hegel, ele é a realização da ideia moral.

Medidas práticas se imporão urgentemente. Será preciso eliminar as amarras econômicos que o próprio poder público insensatamente se aplicou. Revogar as absurdas medidas fiscalistas, como a emenda constitucional de limite de gastos públicos, e rejeitar veementemente outras de mesma natureza. Será preciso devolver ao Estado a capacidade de operar anticiclicamente, retirando a economia do poço da retração. Será preciso também fazer reverter essas pretensas reformas, tão saudadas pelas elites como a panaceia para nossos problemas sociais e econômicos, mas que, sem qualquer resultado positivo, apenas nos distanciaram ainda mais dos ideais de uma sociedade civilizada. Será preciso reconstruir as relações de trabalho, em moldes mais humanos.

Essa triste ocasião talvez possa nos proporcionar essa lição: a de recuperarmos nossa humanidade, porque só assim afastaremos de nós a barbárie.

___________________

¹Professor do Departamento de Física da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

 


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