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ADUR Online #24: Qual indústria?

22 de janeiro de 2021

Por Luiz Martins de Melo

 

Não existe nenhum país do mundo que tenha uma indústria inovadora dominada por empresas estrangeiras. Isso significa que os investimentos na modernização e na inovação nessa indústria ficarão sujeitos à estratégia definida em suas matrizes que atendem aos interesses específicos de acumulação de capital dessas empresas.

A história da indústria automobilística é o filme fiel desse processo. Quando as montadoras no Brasil produziram um carro no estado da arte da indústria mundial? Nunca.

A principal inovação que ela colocou no mercado foi o motor flex. Porém, como toda inovação que precisa de um processo contínuo de novos investimentos para se manter como inovação, ela ficou defasada com a nova onda de carros híbridos e elétricos. No caso, deixamos de atualizar uma vantagem competitiva – o motor flex – e perdemos a possibilidade de inovar no motor híbrido a etanol e eletricidade. Provavelmente os carros movidos a combustíveis fósseis serão artigos de museu em dez anos.

A indústria automobilística no Brasil, por ser o setor industrial mais importante de nossa economia, nos apresenta o filme da decadência e também da inexorável marcha da nossa indústria para a decadência. Os dados mostram que a indústria reduziu sua participação de 30% no PIB em meados dos anos 80 para 17,9% em 2019. A indústria de transformação, por sua vez, que é o setor mais dinâmico e inovador da economia, hoje se reduz a 9,4% do PIB – já foi quase 18% em 2004.

As organizações de representação institucional e política da indústria, os analistas neoliberais da grande mídia e da academia, praticamente em uníssono, vocalizam que o “Custo Brasil” seria o grande responsável por essa crise estrutural. Só que vale lembrar que o “Custo Brasil” é um agregado de condições muito heterogêneas e que quando se abre a sua caixa preta tudo pode estar lá dentro. Essa explicação vale pouco para explicar, a menos que se advogue uma abertura ampla, geral e irrestrita da entrada de capitais estrangeiros para a modernização da indústria e da economia em geral. Mas seria isso compatível com os fatos históricos ou continuamos com as ideias fora de lugar?

O aumento da participação das empresas subsidiárias de empresas transnacionais na estrutura produtiva pode ser considerado como um resultado da política adotada no país. Esta é uma característica estrutural do processo de industrialização brasileiro que difere do sudeste da Ásia e dos países desenvolvidos. Como podemos ver na tabela abaixo, a participação das empresas estrangeiras na manufatura brasileira já era muito superior à da Coreia do Sul em meados dos anos 70. Naquela época já tínhamos uma indústria automotiva, enquanto a Coreia ainda não tinha nem começado a construir a sua. A mesma situação ocorre atualmente com a indústria automotiva da China e da Índia. Qual a mais moderna, inovadora e competitiva atualmente?

Participação do Capital Estrangeiro na Manufatura

Fonte: Torres, E. Coreia do Sul: Um paradigma de Industrialização Retardatária.

Sarti e Laplane atualizam essa discussão sobre os efeitos da internacionalização, desnacionalização e desenvolvimento. Em parte da conclusão da sua análise eles afirmam:

♦ As evidências mostram de forma contundente que o aprofundamento dos processos de integração global e de desnacionalização da base produtiva brasileira não promoveram uma melhora da competitividade da base produtiva. Os indicadores revelam que a maior participação do capital estrangeiro, a acentuada desnacionalização da produção e a internacionalização do mercado interno reforçaram, mais do que transformaram, a estrutura produtiva e a inserção externa preexistente (1)

A baixa capacidade de inovação das empresas brasileiras é um dos fatores que impacta negativamente o aumento da produtividade. O outro é a influência de políticas macroeconômicas que não fortalecem a geração de expectativas positivas para a valorização de ativos produtivos, condição para decisões sobre a carteira de investimentos das empresas.

O regime macroeconômico brasileiro nos últimos 30 anos tem sido absolutamente desastroso para a indústria. E estamos falando principalmente dos setores industriais mais inovadores.

A história dos países que romperam a barreira entre emergentes e desenvolvidos mostra a presença de dois componentes importantes: câmbio desvalorizado e taxa de juros reais negativas. O câmbio e a taxa de juros indicam o horizonte do investimento. Câmbio valorizado e taxa de juros elevada por um longo tempo reduzem esse horizonte, pois transferem demanda para o exterior e estimulam as operações de arbitragem financeira com a moeda local.

O núcleo duro do sistema de metas de inflação, taxa de juros interna muito superior às internacionais, câmbio valorizado e superávit primário não produziram um ambiente propício ao investimento produtivo. O ambiente macroeconômico é muito mais amigável para as aplicações financeiras. Além disto, levou as empresas industriais a estabelecerem estratégias defensivas com foco nas operações de tesouraria. Não adianta xingar de rentistas. Estavam construindo cenários e estratégias de investimento de mínimo custo.

Inovação é uma estratégia de investimento de alto custo, longo prazo e grande incerteza. Ela visa a diferenciar os produtos por qualidade, não por preço. Mas essa estratégia empresarial de investimento estava em contradição com os sinais emanados pela política macroeconômica.

Os subsídios em si não são um erro de política industrial, como afirmam os neoliberais. Aliás, a crise da pandemia e a busca rápida das vacinas só foi possível com os pesados subsídios e incentivos fiscais públicos. O problema com os subsídios e os incentivos fiscais dados para a indústria brasileira foi que, de modo geral, especialmente na indústria automobilística, reduziram os custos operacionais e da mão de obra, porém num ambiente de política macroeoconômica hostil, fizeram com que as empresas aumentassem suas margens e remetessem uma parte maior dos lucros para as matrizes. Quer dizer, não teve o efeito de aumentar os investimentos em inovações, nem aproximou a indústria nacional das melhores práticas mundiais.

David Kupfer sintetizou de modo brilhante no seu “A doença industrial brasileira”, publicado no Valor Econômico de 14/10/2019:

♦ “De todo modo, papel extremamente relevante é exercido pelo forte incentivo para a adoção pelas empresas de estratégias minimizadoras de investimentos que prevalece no ambiente econômico brasileiro. Quando uma economia formada por agentes minimizadores de investimento entra em crescimento, ao invés de investirem em unidades produtivas novas, dotadas de escalas ajustadas e tecnologias atualizadas, as empresas em um primeiro momento se limitam a intensificar a utilização da capacidade existente para não assumir os riscos inerentes à decisão de imobilizar capital fixo. Assim, a economia responde ao impulso inicial do crescimento com perdas de eficiência e, consequentemente, custos crescentes, típicos da superutilização de capacidade produtiva.”

A estratégia de minimização dos investimentos em uma única empresa pode salvar algumas empresas. Porém, pensadas em conjunto, é mais uma das argumentações falaciosas dos modelos neoliberais, onde “o que é bom para a unidade é bom para o conjunto das unidades”.

Esse axioma metodológico não funciona em sociedades complexas, nas quais as relações não lineares prevalecem. A decadência só será interrompida se houver um novo regime macroeconômico e uma política industrial que altere as estratégias de minimização dos investimentos e de rigidez da estrutura industrial.

(1) Sarti, F. e Laplane, M. Internacionalização, desnacionalização e desenvolvimento, Observatório da Economia Contemporânea, 20 de agosto de 2019

 

 

*Luiz Martins de Melo é professor do Instituto de Economia da UFRJ.

ADUR ONLINE é um espaço da base do Sindicato. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.


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