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ADUR Online #25: Reforma Administrativa – para onde vamos?

29 de janeiro de 2021

Por Rubia Wegner e Antônio José Alves Junior

 

Introdução

 

As reformas realizadas ao longo da década de 1990 colocaram a Constituição Federal de 1988 na posição de um instrumento incapaz de enfrentar as reduções de garantias de direitos e de orçamento público implementadas pelos ventos do neoliberalismo¹. Trata-se de um contexto de desmonte de políticas e programas públicos que passaram a ser construídos desde a Constituição Federal (CF) de 1988. Não se pode afirmar que a promulgação desta constituição foi acompanhada do salto de desenvolvimento econômico e social que ela mesma traçou. O discurso moralista e neoconservador agudizado com as ações do Judiciário de combate à corrupção – afirmações públicas de ministros do Supremo de que somente o Judiciário seria capaz de refundar o País ou de levá-lo a um ‘porto seguro’, são um exemplo – e com a motivação oficial para o impeachment da presidenta eleita Dilma Roussef, em 2016, fortaleceram o caminho para tratamento judicializado da CF.

Por exemplo, a Emenda Constitucional no 95 de 2016 alterou, ou melhor, amealhou princípios básicos da CF ao suspender as normas constitucionais de direitos sociais com a inserção do “Novo Regime Fiscal”, uma inventividade totalmente brasileira, sem similares em CF de outros países e sob a justificativa imprecisa de que as finanças do governo federal precisavam ser reconstruídas. De acordo com EC no 95, durante 20 anos os investimentos públicos em educação e saúde estarão congelados. O processo de desmonte prosseguiu com a Lei no 13.467 de 13 de julho de 2017, mais conhecida por reforma trabalhista, pela qual foram inseridos mecanismos jurídicos que permitiram a redução de uma série de direitos trabalhistas. Em 30 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal julgou reconhecer a possibilidade e a constitucionalidade de terceirização de atividades – meio e fim.

A eleição de Jair Messias Bolsonaro, empossado em 1º de janeiro de 2018 é um marco para dar prosseguimento desse desmonte. Seu plano de governo – denominado de “O caminho da prosperidade” – registrado no Tribunal Superior Eleitoral, apesar de um documento em Power Point (demonstrando um desprezo por exigências de qualquer construção teórica e lógica) continha todas as premissas e planos que veem sendo apresentados desde 2019. Sob o lema de ‘constitucional, eficiente, fraterno’, ‘Brasil livre’, defesa da propriedade privada como sinônimo de liberdade, ‘Mais Brasil e Menos Brasília’, o plano de governo, praticamente um manual de boas práticas para tornar o Brasil rico e próspero, contém inúmeras desinformações ao mesmo tempo que promete cumprir a constituição. Neste último ponto, é interessante conjecturar que essa defesa da constituição é proposta, afirmando-se que a CF não foi respeitada nos últimos anos (sem trazer qualquer evidência ou prova) e com introdução da EC no 95, em 2016. Então, fazer cumprir a CF é fazer cumprir essa nova regra fiscal ou garantir ‘saúde das finanças do governo federal’.

De fato, em 2019, foi anunciado um plantel de propostas de Emenda Constitucional. Propostas essas voltadas para retirar tudo o que a CF representou em termos de conquistas de direitos sociais e de desenvolvimento. Assim, a PEC 186/2019 ou PEC Emergencial, PEC 187/2019 ou PEC da Revisão dos Fundos e PEC 188/2019 ou PEC do Pacto Federativo compõem uma tríade de reformulação do papel do Estado e princípios de justiça social – controle do crescimento das despesas obrigatórias de reequilíbrio fiscal, reserva da lei complementar dos fundos públicos. Na sequência, em 2020, com os efeitos adicionais da crise econômico-sanitária, a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020 foi lançada e constitui da mais recente proposta de Reforma Administrativa, em nosso País. 

Considerando, assim, a complexidade das medidas propostas, neste texto são apresentadas análises preliminares sobre algumas das medidas contidas na PEC 32/2020, a Reforma Administrativa. Mesmo assim, os elementos reunidos já permitem declarar que o objetivo da PEC não é a melhoria dos serviços públicos, mas tão somente a redução permanente do papel do Estado e o esvaziamento dos direitos dos trabalhadores e do povo. Esta PEC pertence a uma família de reformas neoliberais cujos impactos sobre os servidores e o povo, desejados pelo governo, são, lembrando das palavras de Guedes em uma reunião presidencial televisada, os de “uma granada no bolso do inimigo”.  

 

Reformas Administrativas – falácia da eficiência 

 

Entre o final da 2ª Guerra Mundial, na década de 1940, e fins do sistema de Bretton Woods, na década de 1970, o Estado era considerado o ente capaz de garantir prosperidade e bem estar. O pós-2ª Guerra Mundial representou a concertação de uma ordem econômica internacional que encaminhasse o desenvolvimento econômico capitalista sem obstáculos estruturais pelo comércio entre as nações, garantindo regras monetárias e ajustamento do balanço de pagamentos que fosse não deflacionário, bem como condições de liquidez para expansão das transações econômicas internacionais. Ao começar a desfalecer o sistema de Bretton Woods, a burocracia estatal passa a ser questionada. O Estado passou a ser responsabilizado pela redução das taxas de crescimento econômico, elevação das taxas de desemprego, aumento da inflação e descontrole das contas públicas Sem a responsabilidade de garantidor da prosperidade econômica, o papel do Estado passou a ser apontado como um modelo burocrático de administração, ineficiência e insucessos, modelo de organização do governo, organização interna e administrações públicas. E uma onda neoconservadora e reformas de Estado buscaram responder a essa crise.

A reforma administrativa desde a década de 1980 passou a ser apresentada como a solução para responder à crise fiscal enfrentada pelos Estados e para enfrentamento da recessão econômica, visto que não encontravam as mesmas soluções de outrora para financiar seus déficits. De fato, muitos países conduziram reformas administrativas desde a década de 1980 e início da década de 1990, da estabilidade macroeconômica aliada à reforma das instituições públicas. Ao longo da década de 1980, as reformas se voltaram para ajuste fiscal com corte de gastos públicos, reformas tributárias, liberalização, desregulamentação. Na década de 1990, o mote se aprofundou e mudanças institucionais rebuscadas foram conduzidas, como reforma do aparelho do Estado, das relações de trabalho, massificação das privatizações, o que foi escancarado no Brasil (BRESSER PEREIRA, 1998). Definir reforma administrativa como um simples processo de revisão do funcionamento do aparato burocrático do Estado não corresponde, portanto, ao alcance que os grupos que a defendem, pretendem. Amaral (2000) ressalta a dificuldade de defini-la em termos acadêmicos.

A julgar apenas pelo comportamento do PIB brasileiro na década de 1990, esse processo de reformas liberalizantes não foi exatamente satisfatório: o crescimento anual médio foi igual a 2,3% de 1991 a 1999, não muito distante do que aconteceu na década de 1980, 1,9% de crescimento médio anual de 1981 a 1990. Claro, há os argumentos que apontam os efeitos positivos em termos de ‘melhoria do ambiente macroeconômico’ atingidos pela estabilidade de preços graças ao Plano Real. Se adicionarmos ao desempenho do PIB, indicadores relacionados a investimentos em infraestrutura ou formação bruta do capital fixo, o desempenho da economia brasileira na década de 1990 poderá nos deixar em dúvida quanto a essa ‘melhoria do ambiente macroeconômico’. Sem contar, a situação da vulnerabilidade externa, em termos de déficits em transações correntes.

Especificamente, no Brasil, na década de 1980, a ligação entre crise fiscal e crise do Estado se confundiam. Sem conseguir saldar seus déficits, a capacidade de investimento do Estado, com o fim do ciclo de crescimento econômico acelerado das décadas de 1950 e 1970, enfraquecera. As despesas com a manutenção da ‘máquina pública’, de pessoal, especialmente fortaleciam aquela confusão. Contemplava apenas o controle de despesas e não a mudança organizacional e gerencial (FERNANDES, 2000). E as opções do governo brasileiro à época, em princípio, privilegiando o ‘ajuste fiscal’, agravaram o quadro. A estatização da dívida acabaria por incidir sobre os compromissos estabelecidos na CF de 1988, pelo novo regime de repartição das receitas entre estados e municípios e união, além dos benefícios estabelecidos em proteção e seguridade sociais. A macroeconomia (política) e os compromissos da CF não se combinavam.

 Dessa forma, a promulgação, no final da década de 1980, de uma Constituição que pressupunha algum nível de bem-estar social representaria, segundo a cartilha do pensamento macroeconômico dominante, ‘máquina pública inchada’. Pouco tempo depois, na década de 1990, a defesa de princípios para uma “Nova Gestão” ocorria sob as orientações políticas do Banco Mundial para definir Reforma Administrativa. Em geral, a reforma administrativa vai sendo justificada por alguns aspectos, tais como: (i) interesses do Estado, com elites e grupos privilegiados explorando oportunidades pelas atividades do próprio Estado; (ii) crise do estado providência; (iii) necessidade de redução dos gastos públicos.

A ‘nova gestão’ ou o gerencialismo, no Brasil, induziu mais a uma decadência da capacidade de gestão ou de decadência institucional – área de pessoal foi bastante atingida com desorganização e redução dos quadros de capacidade técnica para formulação de políticas públicas – resultante do corte de recursos, do corte de pessoal, de não se ter renovado quadros, além da extinção não planejada de órgãos. O neoliberalismo sustenta uma política econômica recessiva, priorizando o equilíbrio das finanças públicas e o combate à inflação. Com mais força no governo Temer, medidas neoliberais como reforma trabalhista e previdenciária foram realizadas. Em 2020, a proposta de Emenda Constitucional (PEC 32/2020) – a Reforma Administrativa – reacende a noção de que o neoliberalismo ganha força em períodos de crise econômico. A eleição de Bolsonaro se deu sob o discurso da redução do tamanho do Estado como o indutor da retomada do crescimento econômico.

 

Contexto da Reforma Administrativa de Bolsonaro

 

O caráter da reforma administrativa proposta no governo Bolsonaro é eminentemente neoliberal e com motivadores alienados de qualquer propósito de melhorias na prestação de serviços públicos e desenvolvimento nacional. Assim, ela se orienta por: a) redução do tamanho/papel do Estado na economia e na proteção social; e b) compressão do gasto público e, a partir disso, resgatar confiança do investidor via ajuste fiscal, economia brasileira na trilha da eficiência, produtividade e crescimento. Busca, portanto, enfrentar o Teto de gastos e se pauta em 4 pontos básicos: reduzir despesas com funcionalismo civil, flexibilizar estabilidade, enxugar o número de carreiras, obstaculizar a organização e atuação sindical por meio de PEC específicas, as quais foram sendo lançadas desde o segundo semestre de 2019. E a crise econômico-sanitária incidiu sobre a política irresponsável do governo Bolsonaro. 

 Em linhas gerais, a proposta de emenda à Constituição que ficou conhecida como Reforma Administrativa, propõe o fim da estabilidade para futuros servidores², redução do número de carreiras de 300 para 20 carreiras e que os salários para futuros servidores públicos serão reduzidos³. Para o governo federal atual, a Reforma Administrativa é uma questão de ‘modernização das relações contratuais’, bem como de ingresso e de progressão do serviço público e sua elaboração e condução tem ficado a cargo de um novo órgão criado na estrutura do Planalto – Secretaria Geral da Presidência da República. Os principais pontos desta reforma serão elencados e discutidos neste texto.

Esse processo, após o ímpeto da ‘nova gestão’ da década de 1990, começou ainda no governo Temer, quando transformações foram realizadas na Administração Pública brasileira, como de secretarias existentes em Secretaria do Programa de Parceria de Investimentos para centralizar e acelerar no âmbito presidencial as decisões de privatizações do setor produtivo estatal, além de iniciativas de cunho regulatório e de financiamento de investimentos público-privados. Cardoso Junior (2019) ressalta que enxugamento de ministérios desde o governo Temer e Bolsonaro se dá sob uma discursiva de ajuste fiscal, porém, mais do que isso, ele reorienta as políticas e os gastos públicos para um caminho conservador e neoliberal.

Algumas falácias ajudariam a sustentar a defesa da, agora, Reforma Administrativa de Bolsonaro: as despesas com pessoal na União são muito altas, tornando a máquina pública inchada; Estado é por si, ineficiente; funcionários públicos são privilegiados e sua existência acirra a desigualdade; acabou o dinheiro (‘estamos quebrados’); precisamos recuperar a confiança dos investidores no Brasil e a melhor forma é garantir princípios do livre mercado, propriedade privada sem regulamentações do trabalho e da previdência – consideradas arcaicas pelo mercado.

Do séquito do atual presidente da República, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, é o mais ardoroso defensor da Reforma Administrativa, em seu teor mais contingenciado. Assim como boa parte da imprensa. Tem apelo na sociedade as falas e as reportagens que colocam o servidor público como um parasita ou privilegiado. Essa é uma visão superficial do todo, quer dizer, ainda que no Poder Judiciário, juízes e desembargadores recebam uma lista de auxílios, boa parte do corpo de servidores do Poder Judiciário – assim nos outros dois poderes – não o recebem (não faz parte de sua carreira). Em live realizada pela Frente Parlamentar em defesa do serviço público, também se ressaltou que alguns pontos da PEC 32/2020 aparecem nos textos de outras PEC (Plano Brasil Mais), uma pulverização dos ‘ataques’.

Nesse sentido, pode parecer secundário, mas vale notar que o estilo da Exposição de Motivos da PEC 32/2020 tem a marca da leviandade e vulgaridade, infelizmente, típicas de Paulo Guedes. No afã de persuadir os parlamentares e a opinião pública, as justificativas apresentas para a reforma administrativa parecem ter saído da mesa de um botequim: “…a percepção do cidadão, corroborada por indicadores diversos, é que o Estado custa muito, mas entrega pouco”… “o Estado brasileiro não cabe no orçamento”…“a modernidade exige um Estado flexível e enxuto”. 

Não há, na exposição de motivos, um único, solitário e escasso dado ou estudo que referende essas afirmações, que têm o mesmo status objetivo da defesa do tratamento precoce para a COVID com cloroquina. Opinião é tudo o que Paulo Guedes considera necessário para justificar, cientifica e politicamente, uma reforma do aparelho do Estado. Isso diz muito sobre a disposição inexistente para o debate e para a construção de um aparelho de Estado que atenda aos interesses mais amplos do povo.  

 

Os elementos da reforma 1: princípios da administração pública

 

Apesar do estilo de Guedes, os temas são de grande complexidade e mereceriam um tratamento mais cuidadoso. Esse é o caso da proposta de novos princípios constitucionais que regeriam a administração pública. Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, inscritos no Art. 37 da Constituição Federal, já estão bem assentados entre os juristas brasileiros, políticos e demais operadores da máquina do Estado. Com essa PEC, Paulo Guedes propõe incluir nessa lista os princípios da imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública e subsidiariedade. 

Por mais interessantes que possam ser, não há muito a se discutir sobre eles a partir das informações disponíveis na exposição de motivos. Os princípios não são uma bobagem sem importância e têm consequências jurídicas.  Considerando, então, sua importância para a administração pública e organização do Estado, é urgente que a comunidade jurídica se manifeste acerca desses novos princípios e jogue luz sobre eles, revelando seu significado e impactos, uma vez que não houve, por parte dos proponentes, a preocupação de explicar o seu significado, a não ser por meia dúzia de linhas dedicadas a cada um deles. 

Faz-se, aqui, uma especulação com o sentido do princípio da subsidiariedade. Aproveitam-se algumas pistas que podem ajudar a compreender e ilustrar os efeitos econômicos pretendidos com a inclusão desse princípio entre aqueles que guiarão a administração pública. 

A primeira pista acerca de seu significado está na exposição de motivos da PEC 30/2020, que, num único parágrafo, cuja redação se segue, pretende explicar seu sentido:

O princípio da subsidiariedade está associado com a valorização do indivíduo e das instâncias mais próximas a ele, prestigiando sua autonomia e sua liberdade. Tal princípio, historicamente consolidado, visa a garantir que as questões sociais sejam sempre resolvidas de maneira mais próxima ao indivíduo-comunidade, e só subsidiariamente pelos entes de maior abrangência, ressaltando, no âmbito da Administração pública, o caráter do federalismo. (EM da PEC 32/2020, p.5)

À primeira vista, trata-se de um princípio liberal, que valorização as instâncias municipais como esfera de decisão e execução de políticas. Mas isso quer dizer, exatamente, o quê? Que as políticas de segurança, saúde, habitação e educação devem ser, o mais possível, decididas no âmbito do município? Mas com que extensão? Os municípios, ou, quem sabe, suas regiões administrativas – uma dimensão ainda mais próxima do cidadão – poderão decidir questões como posse e porte de armas, pena de morte, exploração do subsolo e leis ambientais que, hoje, são reservadas ao Congresso Nacional? Do que exatamente se fala?

Diante do silencio a essas perguntas, recorre-se à nova redação proposta do Art. 173, com a inclusão do parágrafo 6, abaixo.  É uma nova pista que ajuda a esclarecer o sentido da subsidiariedade: 

 

    • 6º É vedado ao Estado instituir medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre concorrência, exceto nas hipóteses expressamente previstas nesta Constituição.

 

Alguém poderá dizer que o princípio da subsidiariedade não tem nada a ver com isso. Isso porque, ao deslocarmos o foco para o poder de decisão do município, não nos atinamos para um elemento, aparentemente retórico, que é a valorização da autonomia e liberdade individual contidos no princípio da subsidiariedade. 

Tendo essa referência em mente, o exame do parágrafo 6 do Art. 173, no entanto, pode levar a outras conclusões. Esse dispositivo, se aprovado, provocará a judicialização de quaisquer medidas de política industrial. A política industrial, que, normalmente, consiste de medidas que interferem sobre empresas e sobre o funcionamento dos mercados visando o fortalecimento, a diversificação, o aumento da competitividade e eficiência de atividades julgadas importantes do ponto de vista da estratégia de desenvolvimento. 

Evitando exemplos nacionais para afastar preferências político-partidárias neste texto, recorre-se a um exemplo recente e relevante é a conhecida política industrial alemã, denominada Industrie 4.0, para ilustrar os efeitos negativos para as políticas públicas e o seu anacronismo. O governo federal alemão tem impedido sistematicamente a venda de companhias de alta tecnologia, em especial, nas áreas de inteligência artificial, manufatura aditiva (impressoras 3D) e robótica para empresas estrangeiras, notadamente, empresas chinesas. Se estivesse submetido a uma regra semelhante à instituída pelo parágrafo acima, e ao princípio da subsidiariedade, não teria elementos jurídicos para colocar em prática essa medida. 

Em primeiro lugar, a decisão representaria uma agressão à autonomia dos indivíduos proprietários das empresas (que foram proibidos de vender suas ações). Em segundo lugar, o ato é um impedimento à livre concorrência, regime econômico que pressupõe a livre entrada de investidores em quaisquer mercados. Assim, o princípio da subsidiariedade, que, no texto, significa a valorização da autonomia e da liberdade do indivíduo frente à coerção estatal, teria sido violado.  

A combinação do princípio da subsidiariedade com parágrafo 6 do Art 137, transcrito acima, tem impactos também sobre outras políticas, como a de privatização. Hoje em dia, a privatização é uma decisão de governo que precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional, com exceção da venda de subsidiárias pelas próprias empresas estatais, segundo entendimento recente do STF. Depois da aprovação desse princípio, a privatização deixa de ser uma opção estratégica/política de governo para se tornar uma medida obrigatória. Isso impede por completo a criação de uma empresas estatal, uma violação direta à Constituição Federal, a menos que seja feita uma reforma constitucional para permitir, expressamente, a criação de uma determinada empresa estatal.

Essa concepção acerca da liberdade não é moderna. Paulo Guedes se inspira nos ensinamentos de seu professor, o Prêmio Nobel em Economia Milton Friedman, da Escola de Economia de Chicago. A autonomia individual e a liberdade, para essa escola de pensamento, se confundem com a livre iniciativa econômica. A gravidade dessa concepção é tal que a oferta de serviços médicos públicos e gratuitos poderia ser interpretada como uma inibição indevida à oferta dos mesmos serviços pelo setor privado. Na visão neoliberal de Friedman, uma violação da liberdade injustificável e um atraso ao desenvolvimento. 

Concluindo, o princípio da subsidiariedade, se aprovado, transformará a política pública mais intervencionista, praticada com crescente intensidade em todo o mundo, em um campo de batalha jurídica. Uma vez aprovado o princípio, todas as ações promovidas pelo Estado devem se submeter ao interesse privado, isto é, não nos enganemos, ao interesse empresarial. Para essa escola de pensamento, o interesse público não tem a ver com distribuição de renda ou desenvolvimento, mas à promoção da liberdade individual.  

Espera-se que a argumentação anterior tenha convencido que o tema é importante e se beneficiará da manifestação de experts em princípios constitucionais. Não obstante, se os novos princípios estão coerentes com os objetivos de Guedes, certamente terão suas contribuições a dar no sentido de limitar a capacidade de atuação do Estado, enfraquecendo as possibilidades de se colocar em prática políticas de desenvolvimento produtivo, de redistribuição de renda e de afirmação da soberania nacional. 

 

Os elementos da reforma 2: vinculação dos servidores

 

A reforma administrativa cria novos vínculos trabalhistas entre servidores públicos e o Estado. Como elemento mais pregnante, a reforma restringe a estabilidade a um grupo seleto de funcionários. A ideia é que apenas com a redução do alcance da estabilidade é possível a rápida demissão de servidores, exigida pela modernidade, de modo a adequar o tamanho e o formato do Estado às orientações do governo de ocasião. Isso é o que se deduz de trechos da exposição de motivos que seguem transcritos e comentados abaixo:

 

A estrutura complexa e pouco flexível da gestão de pessoas no serviço público brasileiro torna extremamente difícil a sua adaptação e a implantação de soluções rápidas, tão necessárias no mundo atual, caraterizado por um processo de constante e acelerada transformação…

 

Exatamente de que adaptação necessária fala Paulo Guedes? O que é que tem mudado tanto no mundo moderno que não pode ser acompanhado por um quadro estável de servidores públicos? Ele está falando da introdução de softwares e robôs?   

 

[…] O novo serviço público que se pretende implementar será baseado em quatro princípios: a) foco em servir: consciência de que a razão de existir do governo é servir aos brasileiros; b) valorização das pessoas: reconhecimento justo dos servidores, com foco no seu desenvolvimento efetivo[…]

 

Mas o serviço público, tal como se encontra, não serve aos brasileiros? São inúmeras as pessoas que se beneficiam dos serviços de saúde, educação segurança pública. E a valorização dos servidores? Será que se pensa em salários maiores e melhores condições de trabalho? Infelizmente, isso não aparece em lugar nenhum.  Continuando no mesmo parágrafo 

 

…c) agilidade e inovação: gestão de pessoas adaptável e conectada com as melhores práticas mundiais; e d) eficiência e racionalidade: alcance de melhores resultados, em menos tempo e com menores custos.

 

Gestão de pessoas adaptável…visando melhores resultados em menos tempo e com menores custos. Isso pode querer dizer quase qualquer coisa, mas há um sentido que parece bastante óbvio para justificar o fim da estabilidade: o corte de gastos. E, de fato, eis o que se segue: 

 

A proposta foi elaborada para…(c) garantir condições orçamentárias e financeiras para a existência do Estado e para a prestação de serviços públicos de qualidade. 

 

Alguém poderia dizer que se trata do contrário. Mas de que modo a garantia das condições orçamentárias e financeiras para a existência do Estado – uma preocupação justa – beneficiar-se-ia com o fim da estabilidade (a possibilidade de demitir servidores por razões meramente de necessidade administrativa) e com a flexibilidade na gestão de pessoas (o corte de jornada e salários, que além da atenção desta PEC, para os novos servidores, também está contemplada pela PEC Emergencial, que vale para todos os servidores)? Claro, é a possibilidade legal de cortar, temporária ou permanentemente, as despesas obrigatórias com pagamento de pessoal.

Isso nos remete ao discurso circular da modernidade de Paulo Guedes. A modernidade, em sua visão, é o aparelho de Estado comportado por essa PEC. Uma PEC guiada pelo princípio da subsidiariedade, segundo a qual, em nome da autonomia individual e da livre-iniciativa o Estado não deve concorrer com o setor privado. Ora, se a modernidade está no princípio da subsidiariedade, devemos nos preparar para uma modernidade em que os serviços públicos sejam reduzidos, não apenas por razões orçamentárias, mas também em prol da livre iniciativa. 

 

Os novos vínculos trabalhistas

 

O primeiro dos novos vínculos é o das carreiras típicas de Estado, as únicas cujos servidores gozarão de estabilidade. O governo federal ainda não definiu quais serão, o que não é um elemento a ser desprezado. De um lado, informa a respeito do total desinteresse pela própria organização do serviço público, como se fosse coisa menor nesse debate. E é. Como concluímos, o objetivo é cortar gastos e abrir espaço para o setor privado. De outro, visa evitar resistências, no início do processo, de grupos mais organizados e capazes de pressionar os parlamentares. 

Como não há pistas sobre o que venha a ser isso, o que permite a cada um fazer elucubrações. Por exemplo, à luz da Pandemia, parece-me que infectologistas, médicos e enfermeiros e todo o pessoal de apoio deveria pertencer às carreiras típicas de Estado. Diplomatas? Policiais? Pode ser. Pode não ser. 

Seja como for, a manobra do executivo deve ser um alerta os servidores públicos que, segundo o ministro, “estão com granadas nos bolsos que ele mesmo colocou”. A luta corporativa para uma carreira seja ou não incluída entre as funções típicas de Estado não pode dirigir o movimento, mas pode ser um ponto de fratura. É preciso agir com a maior unidade possível.

O segundo grupo é o dos servidores com vínculo indeterminado, que se voltarão para as atividades permanentes do Estado, exclusive aquelas atividades referentes às carreiras típicas de Estado. Esses servidores poderão ser demitidos por critérios a serem definidos em Lei, e não mais segundo a Constituição Federal. Note que não se trata apenas de aspecto de facilidade ou dificuldade de aprovação de critérios mais ou menos favoráveis às demissões, ainda que isso esteja em jogo. A desconstitucionalização torna os servidores e o serviço público mais ameaçados. O maior problema, aqui, é a admissibilidade de regras que permitam que, por questão orçamentária, servidores possam ser demitidos, ou ter vencimentos diminuídos, para assegurar o financiamento do Estado. 

O terceiro grupo é dos servidores com vínculo por prazo determinado. Esse grupo será contratado sob a justificativa das emergências, dos projetos sazonais e das demandas específicas. Poderão, ainda, ser contratados para suprir a necessidade advinda da paralisação de atividades essenciais ou do acúmulo de serviços. Há vários aspectos não esclarecidos sobre as atividades que poderão contar com esse tipo de contratação, mas é interessante mostrar que as justificativas, praticamente, envolvem qualquer atividade. Isso traz consequências, por exemplo, para o movimento sindical e sua capacidade de fazer greve ainda não contempladas.  

O último vínculo se reserva aos cargos de liderança e assessoramento. Podendo ser preenchido por qualquer pessoa, e não apenas servidores públicos, deverão substituir todos os cargos em comissão e funções de confiança existentes, além de incluir novos cargos justificados por necessidade técnica e estratégica. Isso significa não apenas os cargos de alta direção, como Reitores de universidades, diretores de hospital ou comandantes da polícia, mas chefes de departamento, responsáveis pelos estoques de medicamento e delegados de polícia poderão ser indicados “de fora” das corporações. Mais que isso, se justificados por questões estratégicas, quaisquer posições nas instituições públicas poderão ser ocupadas por assessores externos. Abre-se um espaço para a descontinuidade de serviços, desorganização hierárquica e ingerência política. 

Por fim, haverá um contingente de servidores com vínculo de experiência para as vagas que só podem ser preenchidas por concursos, a saber, as careiras típicas de Estado e as com vínculo por prazo indeterminado.  O vínculo de experiência é uma condição análoga ao atual estágio probatório, com a diferença de o vínculo de experiencia será a etapa final do concurso público. Os candidatos, uma vez aprovados nas provas tais como as que conhecemos, serão selecionados para fazer o estágio probatório, sabendo, contudo, que apenas uma parte deles preencherá as vagas abertas no edital. A lógica da concorrência entre os selecionados será estimulada, pois apenas alguns deles serão aprovados, ao término dessa fase.  

O que esperar dessa condição a que serão submetidos os servidores públicos? O que dizer do poder dos chefes ou das comissões avaliadoras?

De forma resumida, pode-se dizer que as novas mudanças deverão submeter a maior parte dos servidores à ameaça de demissão, trazendo insegurança e afetando a autonomia com que devem cumprir suas funções em prol do público. Ademais, com o estímulo a concorrência no ambiente de trabalho, cria-se um ambiente mais favorável para que o assédio, a delação, as calúnias e as difamações se tornem uma prática mais presente. 

Além disso, a ingerência política nos serviços públicos, com a possibilidade de que as vagas possam ser preenchidas por cargos de assessoramento e liderança, com pessoas de fora do serviço público, em quantidades não determinadas, pode se tornar a regra. 

Tudo isso é preocupante porque mina-se as bases para a constituição de um serviço com espírito de corpo caracterizado pela excelência, pelo comprometimento com o público e o desenvolvimento do país.  

 

E os servidores atuais

 

O governo procura dar tranquilidade aos servidores que já pertencem aos quadros, prometendo que os que tem estabilidade estarão garantidos e que, portanto, para esses, nada de substancial mudará. Há uma expectativa de que, nos próximos anos, devido ao envelhecimento do quadro de servidores, haverá uma grande oportunidade para fazer o ajuste sem que os atuais servidores sejam prejudicados. 

 

“De acordo com projeções do Banco Mundial, realizadas a partir de dados fornecidos pelo Ministério da Economia (Gestão de Pessoas e Folha de Pagamentos no Setor Público Brasileiro: o que os dados dizem?), cerca de 26% dos servidores terão se aposentado até 2022. Se considerado o período até 2030, a estimativa de aposentadorias atinge cerca de 40% dos servidores. As projeções indicam, nesse cenário, que, em 2030, cerca de um quarto da folha de pagamentos do governo federal será para pagar servidores que ainda serão contratados.

 

No entanto, os atuais servidores podem ser prejudicados de diversas formas com a PEC. A Nota Técnica 247/2020, do DIEESE, faz completo um levantamento das possibilidades. Destacam-se, aqui, algumas delas.

De acordo com a PEC 32/2020, o servidor pode perder seu cargo a partir de uma decisão proferida por órgão judicial colegiado (segunda instância). Essa alteração representa um gravíssimo retrocesso, visto que atualmente a perda do cargo só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo. 

A Constituição Federal prevê a demissão por baixo desempenho, mas determina que lei complementar defina os critérios de avaliação, mas essa lei ainda não foi editada. A proposta da PEC é que os critérios sejam definidos por lei ordinária, cuja regra de aprovação exige menor mobilização parlamentar. 

A aprovação de lei complementar exige maioria absoluta (que é o primeiro número inteiro superior à metade das cadeiras) em dois turnos de votação na Câmara e no Senado, uma lei ordinária exige apenas a maioria simples dos presentes à sessão, em um turno de votação em cada casa legislativa. Desta forma, conclui o DIEESE, “o serviço público pode facilmente ser submetido a conjunturas políticas momentâneas, atendendo a intenções governamentais episódicas e a variações ideológicas do governo de plantão”. 

 

Organização no trabalho

 

A PEC propõe que uma lei federal complementar regule, entre outras coisas, a organização da força de trabalho no serviço público. Isso poderá significar limitações à organização sindical e a definição de uma lei de greve mais restritiva? 

Há diversos outros aspectos que mereceriam uma análise mais específica, e que estão feitas de forma competente na nota mencionada. De qualquer forma, a PEC, ao contrário do eu diz o governo, afetará de muitas formas, os servidores atuais.

 

Os elementos da reforma 3: princípios de auto-organização

 

A PEC 32/2020 concentra poderes nas mãos do presidente da república para reformar a estrutura do Estado, avançando em competências que hoje são do Congresso Nacional. É o que a PEC chama de prerrogativa de auto-organização do Poder Executivo, cujo objetivo seria  

 

…assegurar maior dinamismo à gestão nos casos em que seja necessária uma rápida reconfiguração de competências, de força de trabalho ou de arranjo organizacional, em fina sintonia com o princípio constitucional da eficiência, com repercussão nos serviços prestados aos beneficiários das políticas públicas conduzidas pelo governo.

 

A proposta altera o art. 84 da Carta Magna para possibilitar que o Presidente da República, mediante Decreto, possa: 

(a) extinguir cargos de Ministro de Estado, cargos comissionados, cargos de liderança e assessoramento e funções, ocupados ou vagos; 

(b) criar, fundir, transformar ou extinguir Ministérios e órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República; 

(c) extinguir, transformar e fundir entidades da administração pública autárquica e fundacional; 

(d) transformar cargos efetivos vagos e cargos de Ministro de Estado, comissionados e de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente vagos ou ocupados, desde que não acarrete aumento de despesas e seja mantida a mesma natureza do vínculo; e

(e) alterar e reorganizar cargos públicos efetivos do Poder Executivo federal e suas atribuições, desde que não implique alteração ou supressão da estrutura da carreira, alteração da remuneração, modificação dos requisitos de ingresso no cargo ou da natureza do vínculo, restrita, para os cargos típicos de Estado, transformação de cargos vagos apenas no âmbito da mesma carreira.

Isso significa que, com uma canetada, o Presidente pode destruir, rapidamente, as instituições que proveem o serviço público. Segundo nota técnica 247, de 4.11.2020, do DIEESE, as Universidades fazem parte do rol das instituições que poderiam ser extintas, transformadas ou fundidas por meio de um decreto presidencial 

Assim, seja por razões orçamentárias, seja por força do princípio da subsidiariedade, a reorganização Estado, nas mãos do Presidente, representa uma ameaça concreta à continuidade e à eficiência na prestação dos serviços públicos.  

No mês de outubro de 2020, o presidente da Câmara dos Deputados defendeu que a deliberação sobre as Reformas fosse retomada pelo Congresso. Sua justificativa, o corte de despesas, visto que, em função da expansão de gastos fiscais para enfrentar os efeitos econômicos da pandemia, teriam, de acordo com o presidente, aumentado mais do que a inflação. Com o mesmo discurso do atual presidente da República e de seu séquito no Planalto, o presidente da Câmara dos Deputados associa a Reforma Administrativa à modernização. Por outro lado, o presidente da Câmara dos Deputados ressaltou que que Poder Judiciário e Ministério Público deveriam ser inseridos nesse debate.5  Em novembro de 2020, após membros da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Servidor6  terem impetrado mandado de segurança para a suspensão da tramitação da PEC da Reforma Administrativa (32/2020), o STF decidiu que cabe ao presidente da Câmara decidir pela suspensão ou não da tramitação desta PEC.

Reforma Administrativa proposta no governo Bolsonaro, por sua equipe, é a liga da privatização, da flexibilização e de um ajuste fiscal – que em um país subdesenvolvido, como o Brasil, pode piorar ainda mais o quando socioeconômico, visto suas implicações em termos de redução de salários, de preços, de gasto público. Desde a década de 1990, as reformas administrativas têm representado um encontro entre ajuste fiscal e reforma institucional do papel do Estado (associada a reformas trabalhista, tributária, previdenciária). No Brasil, a solução de crises tem sido, especialmente desde a década de 1990, conduzida pela reforma administrativa.

 

Outras propostas de emenda constitucional complementares à PEC – eu sua revisão arcaica do desenvolvimento econômico e do progresso

 

Plano Brasil Mais (PEC 186, 187 e 188/2019): rodada de ajustes por meio de cortes de jornada de vencimentos do funcionalismo público federal, congelamento de progressões, flexibilização dos pisos de investimento em saúde e educação, desvinculação dos fundos públicos e extinção de municípios com baixa capacidade arrecadatória. A PEC 186 se sustenta em ‘gatilhos’ para reduzir os gastos públicos – mecanismos automáticos para realizar ajustes, passando por cima da ‘regra de ouro’ –, quer dizer, desvincular despesas obrigatórias para financiar investimentos, o que, para o governo federal, representaria, até o final de 2020, elevar em R$ 16 bilhões a previsão de investimentos. A PEC 187 ou ‘PEC dos Fundos’ prevê utilizar R$ 220 bilhões destinados a áreas específicas para pagamento da dívida pública. Quer dizer, extinguir 248 fundos públicos estabelecidos por lei, em todos os âmbitos da Administração Pública. E PEC 188 conhecida por “PEC do Pacto Federativo” que promete entregar a estados e municípios R$ 400 bilhões em 15 anos, ao unificar gastos mínimos em educação e saúde, dar maior autonomia para estados e municípios na distribuição de recursos. Uma sagaz orquestração do desmonte da fundação da democracia recente de nosso país.

Porém, uma outra leitura do Plano Brasil, quiçá mais pertinente, está sua busca de aumentar a eficiência da prestação de serviços públicos ou da ‘máquina’ pública no Brasil. Em novembro de 2019, Instituição Fiscal Independente (IFI) emitiu um parecer em acordo com a proposta do atual governo: as 3 propostas rumam na ‘direção correta’. Por direção correta, entende-se, equilíbrio fiscal e corte de gastos, que definirão a retomada do crescimento econômico brasileiro. E como as 3 PEC preveem cortes de ou contenção da expansão de ‘despesas obrigatórias’, em todos os âmbitos, o controle das contas públicas estaria, simplesmente, garantido7 

Por exemplo, a PEC 188 substitui o artigo 6º da CF de 1988, que estabelece os direitos sociais, pelo parágrafo único a esse artigo ressalvando que: “Será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional.” Ideia de que deveria se garantir uma sustentabilidade financeira, envolvendo receita, crédito e despesa e essa preocupação está em boa parte das PECs. A ideia central seria que receita, despesa e crédito devam ser utilizados não apenas no interesse da atual geração, mas também no das futuras.  Investir no ‘capital humano’ hoje e que garanta criação e modelação das gerações futuras. 

PEC 17/2020 e PEC 27/2020 impedem que o teto de gastos do governo atinja o Sistema Único de Saúde (SUS) durante a pandemia. De acordo com o texto de justificação da PEC 17/2020, conforme os valores executados entre 2018 e 2020, com base na dotação autorizada na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, a Emenda Constitucional no 95 (‘Teto dos Gastos’) retirou da saúde R$ 22,5 bilhões.8 Situação que agrava o quadro já existente de subfinanciamento da saúde pública no Brasil, ao mesmo tempo que grande parte da população depende do SUS em um quadro de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que é de elevado contágio e de elevada gravidade. Assim, a PEC 17/2020 propõe que novas regras de gasto sejam debatidas no Congresso de modo a conter a crise sanitária. De forma mais específica, a PEC 27/2020 propõe a suspensão da vigência do teto dos gastos por dois anos. É interessante notar que os textos de justificação de ambas essas PEC descrevem fatos críticos sobre a EC no 95. No caso da PEC 17/2020, é descrita a polêmica detonada por esse novo regime fiscal em termos de ‘discussão argumentativa’ desencadeada em âmbito judicial, bem como a possibilidade de, em 2020, os gastos com saúde serem reduzidos em R$ 9,46 bilhões. A crise sanitária não poderá ser superada, o texto da PEC 27/2020 é enfático, sem que novas regras, menos rígidas, para gasto público sejam pensadas.9  Uma outra proposta de emenda que não se classifica no contexto de justificação de ambas, mas busca facilitar contratação de pessoal para enfrentamento da pandemia (calamidade) é a PEC 10/2020.10

 

A aprovação da PEC é a vitória da macroeconomia austericida e da privatização dos serviços públicos  

 

Um dos apelos para o fim da estabilidade dos servidores e, também, das instituições públicas, é dar ao Estado (o que inclui todas as entidades da federação) maior capacidade para ajustar suas contas às quedas de receita. Essa é a posição, nos dias de hoje, defendida por Bolsonaro e Paulo Guedes, mas também por Maia e Alcolumbre, além de Miriam Leitão, Carlos Alberto Sardemberg, mas também de analistas e jornalistas de outras empresas de mídia. Essa também é a posição de economistas e analistas que são porta-vozes do sistema financeiro. Veja, por exemplo, o que disse ao UOL, em 17.01.2021, a economista-chefe para o Brasil do banco Credit Suisse, Solange Sour, sobre as reformas que estão em análise no Congresso Nacional, entre as quais, a Reforma Administrativa:

 

“Se nada for feito em relação à consolidação fiscal, e se a gente flertar com a quebra do teto dos gastos teremos aumento do dólar, da inflação e dos juros…Hoje o cenário internacional é favorável, mas o investidor vai saber diferenciar países emergentes que fizeram o dever de casa daqueles que não fizeram.”   

 

Essa ideia, do ponto de vista da teoria econômica, é uma estupidez técnica, reconhecida até mesmo pelo FMI. Não passa da repetição de um mantra antigo contra os serviços públicos e contra o Estado como estimulador da atividade econômica. Do ponto de vista macroeconômico, cada vez mais se conclui que a busca desenfreada pelo equilíbrio fiscal como ferramenta para fazer um país crescer, em meio à crise, contribui sempre para o aprofundamento da crise. Esse seria o caso se fosse possível fazer, hoje, um ajuste das folhas de pagamento. 

As mais recentes Estatísticas Fiscais do Governo Geral (Federal, Estados e Municípios), referentes aos primeiros 9 meses de 2020, permitem projetar que as receitas das três esferas de governo, serão de, aproximadamente, R$ 2 trilhões de reais, caindo mais de R$ 200 bilhões de reais em relação ao ano anterior por causa, principalmente, da queda do PIB provocado pela pandemia. Já as despesas primárias, que excluem os juros, aumentaram cerca de R$ 600 bilhões, alcançando a marca de R$ 2,8 trilhões. Isso significa que o déficit primário aumentou em cerca de R$ 800 bilhões.   

No ano de 2020, as despesas com salários e vencimentos, quando comparadas ao ano anterior, ficaram estáveis, em torno de R$ 960 bilhões, ou 13% do PIB. Os defensores da reforma administrativa e da PEC emergencial (que, entre outras coisas, propõe a redução dos salários em até 25%, com redução concomitante de jornada de trabalho), como Rodrigo Maia, acham razoável um corte na folha de pagamentos de cerca de R$ 240 bilhões para contribuir com o financiamento do aumento do déficit de 2020.  

A medida é claramente insuficiente, a menos que seja mantida por alguns anos. E completamente desnecessária se o governo federal se dispuser a financiá-la por meio da emissão de dívida ou de moeda. Na verdade, o problema de governos soberanos nunca é falta de dinheiro. Numa crise econômica, o problema é que faltam gastos privados e públicos. Joe Biden, mesmo levando em conta os pesados déficits do governo Trump, já anunciou um plano de recuperação que envolve o aumento de gastos em 2 trilhões de dólares. Certamente, algumas coisas que são boas para os Estados Unidos também deveriam ser para o Brasil.    

De fato, com a economia brasileira se arrastando, o corte dos salários dos servidores traria muito mais problemas do que soluções. Os servidores públicos, em sua maioria, têm estabilidade no emprego e, portanto, o fluxo de sua remuneração é previsível. Em épocas de crise e desemprego, esse fluxo de renda funciona como uma espécie de ponto fixo para a atividade econômica. Quando esses salários são gastos, se transformam nas rendas de outras pessoas. Além disso, os servidores públicos, por apresentarem perfil baixo de risco, têm acesso mais fácil ao crédito, precisamente, por causa da estabilidade de emprego e vencimentos. Em períodos de crise, respondem por uma parte importante da aquisição de automóveis e residências, ajudando a fixar um cenário básico de vendas. 

Com o fim da estabilidade de vencimentos e do emprego de servidores, emerge um elemento a mais de incerteza no sistema. Um corte de R$ 260 bilhões (cerca de 25% das folhas de pagamento) ou quase 3,5% do PIB, representará, diretamente, a perda de renda equivalente de quem fornece bens e serviços aos servidores. Esses fornecedores de bens e serviços, por sua vez, também diminuirão seus gastos, prejudicando a renda de outros fornecedores de bens e serviços. Esse efeito encadeado na geração de renda, conhecido na literatura econômica como multiplicador de renda, é estimado em torno de 1,5. Assim, a queda da renda dos servidores, em torno de 3,5% do PIB, ou R$ 260 bilhões, poderá se multiplicar e reduzir a renda global em cerca de 5 % do PIB (3,5% do PIB x 1,5), ou R$ 350 bilhões. Uma queda de renda expressiva em um ambiente econômico já deprimido. 

Esse não será o único efeito. Com a perda de 25% dos salários, os servidores públicos terão dificuldade em honrar empréstimos tomados anteriormente. A inadimplência no sistema financeiro deverá aumentar, o que poderá redundar em aumento nos juros aos consumidores em geral, por causa do maior risco que os bancos atribuirão à concessão de empréstimos. 

Claro que os cálculos acima são indicativos, baseados em estimativas imprecisas. De qualquer forma, dão uma indicação da direção dos eventos econômicos que se sucederão a um corte de salários de servidores. Nesse sentido, pode-se dizer que, com a queda da renda, estimada aqui em R$ 350 bilhões, a arrecadação de impostos também cairá. Supondo que a carga tributária das três esferas de governo seja algo como 30% do PIB, a perda de arrecadação se situará em patamar superior a R$ 100 bilhões (30% x R$ 350 bilhões). Se os números forem dessa ordem de grandeza, o esforço para economizar R$ 260 bilhões com o corte da folha de ponto será em parte anulado pela perda de R$ 100 bilhões em arrecadações diversas.

Tal como a equipe econômica do governo americano concluiu, esse será mais um fator que contribuirá para esfriar a economia e não um estímulo para aquecê-la, que é o que precisamos. É nesse sentido que se pode dizer que o ajustamento pró-cíclico das folhas de pagamento, isto é, o corte exatamente quando a economia entra em crise, agrava o problema da desaceleração da economia, em vez de resolvê-lo.   

Ao lado do efeito orçamentário prejudicial para a economia, o ajuste das folhas, por meio das demissões e da redução de jornadas de trabalho, junto com a eliminação de instituições públicas, resultará, também, na desorganização e retração da oferta de serviços públicos. Como se sabe, uma crise econômica tem, como uma de suas características mais cruéis, o elevado desemprego. A redução das vagas em hospitais e escolas públicas, a diminuição dos efetivos da segurança pública e dos serviços de assistência social prejudicará desproporcionalmente os mais pobres, pois, são aqueles mais afetados pelo aumento do desemprego. Não há nada mais a esperar do que o aumento da instabilidade social para níveis, diria, ainda não experimentados pela sociedade brasileira.

No longo prazo, a opção pelo enxugamento do setor público para resolver problemas orçamentários e aumentar a liberdade do setor privado representará o sepultamento de instituições que sempre funcionaram como ferramentas para a retomada do desenvolvimento. A interrupção das atividades de pesquisa em Universidades e em empresas estatais, a desorganização de sistemas de vacinação e o desmonte de bancos públicos deixam sequelas. A opção para fazê-los funcionar, depois de avariados, custa muito não apenas em termos financeiros, mas, também, em termos do tempo necessário para sua reorganização, para o reestabelecimento de rotinas e do quadro de pessoal. 

Ao que parece, essas não parecem razões suficientes para que a reforma administrativa seja retirada de pauta. Há, nesse mundo de hoje, os que estão convencidos por argumentos ideológicos e interesses, muitas vezes inconfessáveis, de que esse é o caminho a ser trilhado pelo Brasil. Como os noticiários tem demonstrado, de forma impregnante, parece haver um consenso crescente em torno da necessidade de reformas voltadas para a redução dos gastos públicos e para o desmonte dos serviços. Será preciso fazer uma forte resistência a essa renovada onda neoliberal. 

Como um alerta, as universidades púbicas, a despeito de sua expansão recente e da enorme procura de vagas por parte do público, há tempos têm sido levadas em conta nos cálculos empresariais, convertendo-se em objeto do desejo de investidores. Em 2015, portanto, há mais de 5 anos, a economista Zeina Latif, demandava que o orçamento das universidades públicas deixasse de ser um tabu e que fosse colocado na mesa de discussões fiscais. As universidades públicas estão entre as instituições que interessam ao setor privado, seja por seu patrimônio imobiliário, seja pela oportunidade de desenvolvimento de negócios educacionais com a sua aquisição, seja pelas vantagens que a mera redução de sua atividade pode trazer para grupos universitários privados que, hoje em dia, incluem holdings com atuação internacional. Imagine o que pode passar pela cabeça de Paulo Guedes, cuja irmã, Beth Guedes, é importante executiva na área de educação privada, quando se fala nos gastos das grandes universidades públicas no estado do Rio de Janeiro?

 

Notas e referências

[1] Esse termo tem sido usado, até mesmo em artigos acadêmicos, sem a devida parcimônia metodológica ou conceitual. Com uso impreciso o que viria contribuindo para uma generalização que acaba, em certa medida, inibindo ou substituindo uma análise criteriosa sobre relações de dominação, exploração e alienação. Andrade (2018) aponta que as diferentes correntes teóricas possuem elementos que são mais complementares do que antagônicos, na definição do neoliberalismo. Para este artigo, entenderemos, conforme conclui Andrade (2018), neoliberalismo contemplando pelo menos 4 fenômenos: dimensão globalizada, com um regime financeirizado de acumulação; dimensão de antagonismo a estruturas estatais, disputa de formas institucionais locais e internacionais, isto é, imiscuir-se à administração pública; dimensão teórica ou de ideias, disputa por ressignificar aspectos como coletividade, solidariedade e relação estabelecida pelo indivíduo consigo mesmo e com outrem.

[2] Em algumas mídias, estabilidade aparece adjetivado como ‘automática’. De fato, todos os servidores públicos estão sujeito a período de estágio probatório de 3 anos, nos quais são submetidos à avaliação por sua chefia imediata ou por comissões designadas.

[3]  Em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-02/bolsonaro-muda-agenda-para-discutir-reforma-administrativa

[4]  Em: https://www.camara.leg.br/noticias/707380-reforma-administrativa-frente-rebate-critica-de-que-servidor-e-maraja-ou-parasita/

[5] Em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-10/maia-defende-retomada-de-agendas-de-reforma-no-congresso

[6] Iniciou em 2007, então sob a presidência do então deputado, Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) com atuação para defesa dos direitos e garantias do serviço público. Na Câmara dos Deputados, a Frente atua com dois representantes – Dep. Alice Portugal (PCdoB/BA) e Dep. Danilo Cabral (PSB/PE) – e no Senado Federal com outros dois – Sen Paulo Paim (PT/RS) e Sen. Zenaide Maia (PROS/RN). Maiores informações em: https://frenteparlamentardoservicopublico.org/frente

[7] Em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/11/ifi-avalia-que-propostas-do-plano-mais-brasil-caminham-na-direcao-correta 

[8] Em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8112438&ts=1594838748324&disposition=inline 

[9] Em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8873252&ts=1599792613749&disposition=inline

[10] Em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141443

[11]  Comentando a crise de 2015, a economista-chefe da XP, à época, dizia que “Para sair disso, o país precisa com urgência de uma agenda que contemple a realidade das contas públicas. Por que se mexe no FIES, mas a universidade pública é intocável?” (ver artigo do jornal Valor, por Catherine Vieira e Flavia Lima, de 12.11.2015, “Realidade frustra projeções há 5 anos”.

 

*Rubia Wegner é professora e coordenadora do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

*Antonio José Alves Junior é professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

 

ADUR ONLINE é um espaço da base do Sindicato. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.


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