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ADUR Online #53: Sem despedida, nem funeral: o preço que pagamos pelo descaso

ADUR Online

10 de agosto de 2021

Por Patricia Reinheimer

Nos rituais religiosos, o fogo purifica e renova, mas na vida cotidiana e concreta, ele destrói. No Brasil, ele tem sistematicamente mutilado nossas coleções e memórias. Essa forma de destruição já passou pelo Palácio Universitário da UFRJ, na Praia Vermelha, em 2011, pelo Memorial da América Latina, em 2013, pelo Museu da Língua Portuguesa, em 2015, pelo Museu Nacional da UFRJ, em 2018, pelo Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, em 2020, e agora pela Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, em São Paulo, só para citar alguns. Muitos deles, prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que também abrigavam importantes coleções arqueológicas, históricas, etnológicas e etnográficas, obras de arte, livros… e filmes.

Cada incêndio destrói assim uma riqueza incontável em números. Não se trata (apenas) de valor material. Trata-se da história de grupos inteiros, das relações através das quais o país foi se construindo, com todas as suas nuances que poderiam ser reinterpretadas à luz de novas perspectivas, mas foram silenciadas pelo fogo e pelo descaso.

Diversos intelectuais já apontaram o apreço escasso que a sociedade brasileira sempre concedeu à arte e à cultura, especificamente aquelas englobadas pela historicidade e identidades que conformam esse estado nacional (alguns brasileiros estão entre os que contribuíram para a reconstrução da Catedral de Notre Dame, em Paris). Até poucos anos atrás poderíamos concordar plenamente com essa assertiva. Entretanto, como se não bastasse o descaso para destruir a força de nossos ancestrais pelo fogo, a desvalorização da memória deu lugar a um projeto ultraneoliberal de privatização e mercantilização da vida.

Já não se trata mais de pensar se o fogo é projeto político ou não, mas de perceber como o incêndio abre espaço para o surgimento imediato de mais projetos de concessão ao capital privado e à exploração comercial de riquezas – materiais e imateriais – que são o sustentáculo da soberania dos povos. A necropolítica não se contenta em matar corpos, ela mata memórias, sonhos, desejos.

O fogo apaga também os esforços que funcionários públicos fazem, com cada vez menos recursos (humanos, estruturais e financeiros), para manter em funcionamento espaços tão essenciais para a construção da cidadania, do conhecimento. Para a oferta de espaços de lazer menos elitizados e mais democráticos. Reforça-se, com o fogo, o discurso da ineficiência do funcionalismo público, quando a responsabilidade do Estado é justamente garantir que haja estrutura para seu próprio funcionamento, o que inclui essas instituições de guarda, manutenção e divulgação cultural.

Um dia depois do incêndio no acervo da Cinemateca, o governo federal publicou um edital para contratar uma entidade privada para “gerir e preservar” os arquivos da instituição. A privatização e monetização desses espaços reforça ainda mais a estrutura desigual, racista e homofóbica brasileira, restringindo acesso, direcionando discursos e controlando corpos.

Seria ingênuo pensar que a arte e a cultura são sempre libertadoras. Se assim fosse, o nazismo não teria contado com a fotografia de Leni Riefenstahl, o vestuário de Hugo Boss e o design de diversos ex-alunos e professores da Bauhaus. Mas a memória do que já foi produzido, a guarda de coleções (de objetos, músicas, filmes e outros) é a garantia de que podemos voltar para nós mesmos em nossas múltiplas manifestações, em nossa diversidade de lutas, propósitos, situações para nos redescobrir a cada momento. Teremos força para construir novas coleções.

Entretanto, por mais poderosas, importantes e representativas que essas novas coleções possam ser, elas nunca substituirão as que foram consumidas pelo descaso e, nesse sentido, não nos darão acesso ao passado, nem para ser festejado, nem rejeitado.

 

*Patricia Reinheimer é professora do do curso de Ciências Sociais da UFRRJ.

*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.


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