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ADUR Online #33: Sobre Paternidade

*ADUR Online

26 de março de 2021

Por Renato Noguera

 

*Texto publicado originalmente no site do Coletivo Indra

 

Existem diversos estudos a respeito da categoria “paternidade”. Ser pai é um fenômeno social, político e afetivo.

A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) fez um levantamento dos registros de crianças nascidas de Janeiro a Junho de 2020 através dos dados da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), chegando ao numero de 6,31% de crianças sem o nome do pai em seus registros de nascimento.

Pois bem, no contexto da emergência do patriarcado, um sistema que, em linhas gerais, a dominação exploração é exercida pelos homens, encontramos a divisão de trabalho obedecendo um critério de gênero. No contexto do patriarcado, a liderança política é uma prerrogativa masculina. Daí, o investimento dos homens é feito naquilo que vou denominar aqui de “grandes batalhas”, guerras públicas, atividades de conquista de novos territórios, provisão material, mando e controle da gestão dos recursos de uma comunidade, povo ou sociedade.

Num determinado registro no campo da metapsicologia, a vida emocional desse homem que opera dentro do patriarcado fica desnutrida afetivamente para o terreno íntimo. É como se a vida doméstica ficasse enfraquecia, à medida que esse homem ganha batalhas: reconhecimento, sucesso na sua área de atuação, prestígio público e dinheiro para manter a família; ele perde o poder de escuta, interação e de um relacionamento profundo com a/o cônjuge e filha e/ou filho e/ou filhas e/ou filhos.

 

É uma tensão emocional, onde investir?

 

O homem de sucesso público pode ser um fracassado emocional. Ao mesmo tempo: o fracassado público, entendido aqui como um homem que perde grandes batalhas, isto é, sem prestígio, sem dinheiro, sem representação social positiva, não pode ser entendido automaticamente como um homem de “sucesso” afetivo, capaz de amar e nutrir sua família nuclear, exercendo com maestria a função paterna. Um homem “fracassado” pode ter dificuldade em concentrar energia na sua vida íntima, porque seu sonho é o reconhecimento e ao invés de uma nutrição afetiva privada, pode estar tão desnutrido quanto os  homens de prestígio.

Pois bem, na linha de um exercício intelectual que faço desde que entrei na graduação em 1991, eu gosto bastante de pensar com/através/sob/sobre os mitos. Quando o assunto é paternidade, eu não consigo fugir de três mitos: Mwindo do povo Nianga, Logum Edé do povo Iorubá e Édipo dos gregos. Vale ressalvar que Todos esses mitos são negro, o historiador Rogério José de Souza demonstra em dissertação de mestrado intitulada “ Tragédia ‘Édipo Rei’ de Sófocles: o que ela tem a nos dizer sobre relações raciais no campo da historiografia Clássica brasileira”, defendida em 2007 sob orientação de André Leonardo Chevitarese no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ.

Rogério José de Souza observa que Sófocles se refere, tanto a Édipo quanto ao seu pai Laio, como homens negros. Digressões à parte, vamos aos mitos. Na interpretação psicanalítica do mito de Édipo feita por Sigmund Freud, assunto que não é possível resumir numa frase, encontramos uma ideia de que inconscientemente os meninos desejam ocupar o lugar do pai. O “pai” é uma ameaça ao relacionamento com o primeiro objeto do desejo do bebê.  O conjunto de mitos de Logum Edé fala de uma relação paterna também com alguns graus de tensão.

Mas, diferente de Édipo, o desfecho não é trágico. Oxóssi e Oxum têm um filho que acaba aprendendo a se comunicar com suas potências masculinas e femininas, Logum Edé “mora” metade do ano com o pai e a outra metade com a mãe. Num dos mitos Oxóssi se apaixona pelo filho. Nós podemos tirar algumas conclusões preliminares, algumas noções que confirmam a afirmação do filósofo Frantz Fanon “Quer queira, quer não, o complexo de Édipo longe está de surgir entre os negros”.  Cabe uma ressalva, afinal se Édipo é negro, como sustentar a afirmação fanoniana?

Não vamos tirar a razão de Fanon, Édipo é um homem negro em terra estrangeira, ele vive numa situação de afastamento da cultura, assim como o seu pai. Portanto, Laio e Édipo são homens negros num mundo branco, admirados e, ao mesmo tempo, temidos. Daí, algumas pistas para o conflito. Num ambiente xenófobo, vale dizer que Édipo é estrangeiro; a paternidade estará ameaçada.

 

A paternidade não pode ser bem exercida fora de um ambiente cultural confortável e aconchegante.

 

Fanon, assim como o livro de Marie-Cécile Ortigues e Edmond Ortigues, o “Édipo Africano” problematizam a universalidade do Complexo de Édipo. Talvez, seja o caso de lançarmos mãos dos mitos de Logum Edé e de Mwindo (não foi possível desenvolve-lo aqui), dentre outros, para reconhecer que existem múltiplas possibilidades de exercício da paternidade. A paternidade é um exercício afetivo, um ato político que não pode ser feito sem autoconhecimento. Portanto, estejamos sob as marcas de Édipo, Logum Edé ou de Mwindo é importante, não perdermos de vista uma lição que aprendi com meu pai, meus tios e meu avô.

Eles diziam que para ser pai, um homem precisa mergulhar no sentido mais submerso da ideia de que: “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”.

 

Renato Noguera é Doutor em Filosofia pela UFRJ, possui formação griot feito pelos avós maternos e pertencimento familiar da África ocidental, Professor Associado da UFRRJ, onde atua nos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Filosofia, Pesquisador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Leafro) e coordenador do Grupo de Pesquisa Afroperspectivas, Saberes e Infâncias (Afrosin).

 

*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.

 


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