
E NASCE A ADUR – UM CASO DE LUTA
Ana Lúcia Valença de Santa Cruz Oliveira
“Éramos colegas, hoje somos companheiros de luta”.
A pesquisa tem por objeto o sindicalismo docente na Universidade Rural do Rio de Janeiro durante o período de redemocratização do país. A discussão é desenvolvida tendo como referência o que foi consagrado como “novo sindicalismo”. Segundo os atores envolvidos, o “novo sindicalismo” veio para construir uma “nova prática”, em oposição ao “velho sindicalismo”, o “peleguismo”, o “corporativismo” e o “populismo”. Na onda das mobilizações que marcaram o cenário nacional no final da década de 70, ainda proibidos de sindicalizarem-se, foram criadas dezenas de entidades representativas dos trabalhadores no setor público, entre elas a Associação dos Docentes da Universidade Rural.
O clima no país era de redemocratização. Nas universidades, bem como no restante do setor público, as mobilizações contra o regime militar vieram juntas com a proposta de organizarem-se associações de professores, funcionários e estudantes. Nas universidade onde já existia algum tipo de entidade, ainda que com caráter recreativo, assistencial e cultural, iniciava-se a discussão de dar a elas um caráter sindical.
Em certa medida, essas aspirações refletiam as transformações ocorridas nas universidades e no perfil dos docentes. A cátedra, o formalismo elitista foi dando espaço a um aumento no número de professores e alunos, aproximando os primeiros, cada vez mais, das reivindicações comuns dos demais trabalhadores. Foi uma mudança importante, pois até então havia uma cultura que os aglutinava e os afastava da imagem do trabalhador assalariado.
É sobre os acontecimentos ocorridos, entre a fundação da ADUR(1979) e a da ANDES(1981), que focamos nosso estudo do movimento docente na Universidade Rural. Trata-se de um momento particularmente favorável para verificar-se o tipo de sindicalismo nascente.
A fundação da A ADUR-RJ
O fim da década de 1970 marcou o surgimento, no interior do movimento sindical, de uma nova corrente. Sua marca foi a crítica ao sindicalismo praticado pelas direções então à frente dos sindicatos, a quem acusavam de corporativistas e pelegas, e ao sindicalismo do pré-64, a quem chamavam de “populista”.
Autointitulava-se “sindicalismo autêntico” e, juntamente com o movimento operário do ABC paulista, cumpriu um importante papel no processo de reorganização dos trabalhadores brasileiros. Este grupo esteve na liderança dos congressos e encontros de trabalhadores que antecederam a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Sem dúvida, o chamado “novo sindicalismo”, nascido na luta pela redemocratização política do país, conseguiu impor mudanças profundas na legislação sindical brasileira, embora ainda permanecessem fortes laços com a antiga estrutura – a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o imposto sindical e a Justiça do Trabalho.
Em linhas gerais, descritas por Maria Hermínia Tavares de Almeida, esta corrente tinha como eixo a proposta de fim da ingerência estatal no mundo do trabalho:
“(…) em gestação opôs-se à política de fixação pelo governo dos reajustes anuais de salários e pregou a negociação coletiva entre sindicatos e empregadores, sem a mediação de organismos estatais. Para torná-la possível, exigiu a volta ao direito irrestrito de greve e a liberdade e autonomia sindicais cerceadas pela legislação que impunha a tutela do Ministério do Trabalho entre as entidades de classe. Contra a lei que erigia os sindicatos fora das empresas, defendeu a criação de organismos sindicais nos locais de trabalho. Finalmente, em oposição a um sindicato burocratizado, oligárquico e pouco representativo, propôs um sindicalismo mobilizador, participacionista e democrático”. (1983, p. 202)
O sindicalismo brasileiro ressurgiu, juntamente com outros movimentos sociais, agitando as bandeiras da anistia, eleições diretas e o fim da ditadura militar. Foi no interior desses movimentos que, em fevereiro de 1979, o movimento docente realizou em São Paulo o I Encontro Nacional de Associações Docentes (ENAD), cuja pauta era:
-
Ensino Público e Gratuito
-
Democratização da Universidade
-
Questões trabalhistas e salariais
-
Controle Ideológico nas Universidades
Essas foram as questões que nortearam a luta dos docentes universitários. (Baldijão, 1988, p. 7)
Se havia consenso sobre as bandeiras democráticas – a defesa da universidade e do ensino público e gratuito –, divergiam quanto ao caráter que deveria assumir a nova entidade. Basicamente, as posições predominantes eram:
-
A dos que defendiam uma estrutura federativa
-
A dos que propunham uma associação nacional independente da estrutura sindical corporativista (Maciel: 1992, p. 2)
Na Universidade Rural, em parte repercutindo as discussões nacionais, além do caráter da nova entidade, havia uma questão que a precedia: muitas dúvidas sobre a conveniência de construir uma entidade sindical. Muitos consideravam um “absurdo que o professor universitário fundasse um sindicato”.
Esses professores, que não eram poucos, defendiam que todas as atividades dos docentes deveriam ocorrer através da estrutura institucional – departamentos, institutos, conselhos, etc. Essas opiniões refletiam concepções arraigadas, que viam no professor uma elite intelectual que se traduzia numa elite social, posição incompatível com as atividades reivindicatórias. O processo de convencimento da categoria foi lento e exigiu muito das lideranças do processo.
“Mas esse processo de formiguinha, esse grupo convence um, convence outro, mostrando sobretudo o que a repressão fez com a nossa carreira, nossas reivindicações e, sobretudo, com os nossos sonhos. Com isso, eu acho que a maioria foi sensível à criação.”
Os dirigentes do processo de fundação da associação definiram algumas metas e condições preliminares. Decidiram que o quórum mínimo para fundá-la exigiria a presença de 100 professores na assembleia, ou seja, cerca de 25% do total. No entanto, a assembleia contou com a presença de 240 professores, cerca de 60% do corpo docente.
Dirigindo os trabalhos estavam alguns dos professores mais qualificados: Raimundo Brás Filho, Manlio Silvestre Fernandes e Antônio Figueiredo.
Entre os que compareceram à assembleia de fundação, havia duas visões divergentes:
“(…) um grupo achava que deveríamos lutar pela inserção institucional da entidade, fazer parte do Conselho Universitário, etc. Outro grupo, que reunia a maioria dos professores da ADUR, achava que a entidade deveria ter uma estrutura autônoma e independente. Esse último grupo sempre achou que ela seria mais isenta se fosse independente da estrutura administrativa, o que daria trânsito livre para mobilizar os professores.”
A posição de independência e autonomia prevaleceu, acompanhando a tendência predominante na maioria das outras universidades e também o que estava ocorrendo em outros movimentos sindicais pelo país, especialmente no ABC.
A independência tinha mais de um significado. O mais enfaticamente defendido referia-se à independência com relação ao Estado. A proposta era dar à entidade um formato diferente do que predominava (e predomina) na estrutura sindical brasileira.
Ao invés de se organizar verticalmente em sindicatos, federações e confederações, a ADUR, acompanhando a tendência predominante no movimento docente nacional, organizava-se como seção local, dentro da universidade, mas com vistas a compor um sindicato nacional. Importante também foi definir que não cobraria o imposto sindical – contribuição compulsória –, mas sobreviveria pela contribuição voluntária de seus filiados.
Também se defendia a independência em relação à estrutura da própria universidade e às vinculações político-partidárias. O estatuto aprovado na assembleia de fundação da entidade, em 30 de maio de 1979, consolidou essas posturas:
Art. 4º: A ADUR-RJ propõe-se a:
-
Constituir-se independente e autônoma
-
Estabelecer e incentivar intercâmbio científico, cultural, social e organizacional entre docentes da UFRRJ
-
Promover a interação entre docentes, técnicos administrativos e estudantes, e destes com a comunidade
-
Posicionar-se perante problemas gerais e os pertinentes à vida universitária, exceto os de caráter religioso e político-partidário
-
Pleitear, sugerir ou solicitar junto aos poderes competentes medidas referentes à categoria
-
Contribuir para o estabelecimento de ligações permanentes e vínculos organizacionais com associações congêneres, tanto do ensino público quanto do ensino particular
Na mesma assembleia, foi formada uma diretoria provisória encarregada de conduzir o processo eleitoral, marcado para outubro.
A administração da universidade não opôs resistência à associação dos professores. As primeiras reuniões foram realizadas dentro da universidade, depois do expediente. Foi feito um pedido formal solicitando a cessão de uma sala e a autorização para a participação dos professores. Na mesma ocasião, o reitor foi convidado a se filiar à associação. Ele aceitou, mas permaneceu filiado por pouco tempo.
A prudência das lideranças, agindo de maneira “comportada”, como disse Antônio Constantino dos Santos, foi essencial para lidar com as dúvidas de muitos professores sobre a participação sindical. Para muitos, a atividade sindical era estranha às atribuições docentes e deveria ser feita apenas “nas horas vagas”.
A ADUR demorou para conseguir uma sede própria. Nos primeiros meses, funcionou na sala dos professores Jair da Rocha Leal e Antônio Constantino dos Santos, núcleo da diretoria. Apenas na gestão de 1981-83, com Ricardo Miranda como secretário, o Instituto de Agronomia emprestou uma sala para arquivamento de documentos.
Após várias discussões, decidiu-se construir a sede dentro do campus, em regime de comodato. As negociações foram retomadas em 1988, durante a campanha eleitoral para a Reitoria, e, finalmente, a cessão do espaço foi assinada, apesar do parecer contrário da Procuradoria.
A luta contra a demissão do professor Walter Motta Ferreira
Três meses depois de fundada e antes mesmo da eleição da primeira diretoria, a ADUR foi envolvida em uma longa mobilização contra a Reitoria da Universidade devido à morte do estudante George Ricardo Abdala, atropelado na rodovia em frente ao campus. A tragédia mobilizou os estudantes, que passaram a reivindicar maior segurança no campus, melhorias no atendimento médico e na infraestrutura do Posto de Saúde. Em um contexto de 15 anos de autoritarismo, essas demandas se tornaram um desafio, sendo tratadas como ameaças ao status quo.
O professor Walter Motta Ferreira, envolvido na mobilização, foi sumariamente demitido pelo reitor Arthur Orlando Lopes da Costa. O caso repercutiu por quase um ano, gerando debates dentro da comunidade acadêmica e alcançando a sociedade fluminense. Esse episódio marcou profundamente a história da ADUR, e seus desdobramentos continuam influenciando a política universitária até os dias atuais.
A mobilização estudantil Na noite de 20 de setembro de 1979, George Ricardo Abdala faleceu atropelado na Rodovia Rio-São Paulo, em um trecho mal sinalizado e pouco iluminado, situado entre o campus da Universidade Rural (km 47) e o km 49, onde morava grande parte dos alunos não alojados. Indignados, os estudantes organizaram uma manifestação para exigir melhorias, incluindo a construção de ciclovia, reforço na iluminação, policiamento mais efetivo e aumento do número de médicos no ambulatório da Universidade. Foram criadas comissões para divulgar as propostas e convocar uma assembleia para o dia seguinte.
Durante a mobilização, um incidente ocorreu no Instituto de Zootecnia. O professor Walter Motta Ferreira, amigo de George e emocionalmente abalado pela tragédia, tentou intermediar a comunicação entre os alunos e a administração. No entanto, ao interromper uma aula para fazer um aviso, a situação fugiu do controle, resultando na saída de toda a turma em protesto. O caso gerou tensão na Universidade, culminando na demissão sumária do professor Walter em 26 de setembro de 1979.
Repercussão e reação da ADUR A demissão do professor Walter foi vista como arbitrária e motivada por uma gestão autoritária. A ADUR, juntamente com estudantes e professores, iniciou uma campanha para sua reintegração, organizando protestos e pressionando a administração. Cerca de 300 alunos do Instituto de Zootecnia entraram em greve por 15 dias. A ADUR aprovou uma moção de repúdio e exigiu a revogação da demissão, alegando que ela representava uma "cassação branca" e ameaçava a estabilidade dos professores contratados da UFRRJ.
A diretoria da ADUR e representantes do Instituto de Zootecnia tentaram negociar com a Reitoria, mas encontraram resistência. O reitor declarou que apenas o Instituto de Zootecnia poderia solicitar a readmissão, enquanto o diretor do Instituto afirmava que a decisão cabia ao reitor, evidenciando um impasse político.
Escalada da mobilização Diante das manobras administrativas, a ADUR convocou novas reuniões e ampliou a pressão. Em assembleia realizada no Clube Social, os docentes decidiram intensificar a campanha, com encaminhamentos que incluíam:
-
Levantamento de irregularidades na UFRRJ;
-
Apuração das alegações contra o professor Walter;
-
Declaração de persona non grata ao diretor do Instituto de Zootecnia;
-
Entrega de um manifesto ao Ministro da Educação;
-
Recurso ao Conselho Universitário contra a decisão de demissão;
-
Manutenção da assembleia permanente.
Em 6 de dezembro, novas medidas foram aprovadas, incluindo a retenção da entrega dos conceitos finais dos alunos, a suspensão da participação em cursos de férias e a possibilidade de paralisação total das atividades acadêmicas em março de 1980.
Contexto nacional e impacto político O caso do professor Walter Motta Ferreira inseria-se no contexto da luta pela redemocratização do país. O movimento docente, fortalecido pelo I Encontro Nacional de Associações Docentes (ENAD) realizado em fevereiro de 1979, defendia o ensino público e gratuito, a democratização da Universidade e direitos trabalhistas para professores.
Havia divergências sobre o formato da representação sindical dos docentes, entre os que defendiam uma estrutura federativa e os que propunham uma entidade independente do modelo sindical corporativista. Na UFRRJ, havia resistência à ideia de sindicalização dos professores, refletindo uma visão elitista da carreira acadêmica.
A ADUR desempenhou papel fundamental na conscientização da categoria e na mobilização contra medidas autoritárias dentro da Universidade. A luta pela reintegração do professor Walter tornou-se um marco na história do movimento docente na UFRRJ, consolidando a ADUR como uma entidade de resistência e defesa dos direitos acadêmicos.
Os professores pressionados
Dia 14 de dezembro, prazo limite para a entrega dos conceitos dos alunos, os professores resolveram cumprir a deliberação da assembléia.
Na reunião do Conselho Universitário realizada em 9 de janeiro de 1980, de um lado estavam os docentes e os discentes, de outro lado, a administração da universidade. Pela leitura da ata, fica claro que a administração contava com o apoio da maioria dos diretores dos Institutos, com exceção do diretor do Instituto de Agronomia, professor Ary Carlos Xavier Velloso.
O Reitor iniciou seu pronunciamento, dizendo que sabia que as notas estavam sendo entregues para os alunos, mas não eram enviadas para Decanato de Graduação. Isto aconteceu, segundo afirmou, especialmente nos institutos de Ciências Exatas e no de Agronomia. A reunião do Conselho foi suspensa e uma portaria assinada na hora nomeando os professores José Antônio Pinheiro Gomes Saraiva e Roberto Campos e a servidora Zenaide Figueira da Silva, para formarem uma comissão encarregada de investigar o assunto. O professor José Antônio Pinheiro Gomes Saraiva foi instruído a retirar-se do plenário e iniciar as diligências.
Logo depois de reiniciar, a reunião foi novamente suspensa, desta vez pela procuradora-geral da Universidade, Maria Arruda Bacharat, que “(…) pediu desculpas, mas precisava falar urgente”. Ela informou que “fora encontrado um quadro de avisos no Departamento de Solos repleto de relações de graus e conceitos de alunos, inclusive um deles preenchido no formulário oficial do Decanato de Graduação. Continuando sua explanação, alertou que a Comissão recém formada não deveria retirar os documentos do quadro de avisos, sob pena de danificá-los.
O presidente do Conselho pediu à Ary Velloso, diretor em exercício do Instituto de Agronomia, que fosse até o local e retirasse o documento. Esse afirmou que já que sabia da existência dos documentos no quadro, há algum tempo. Foi interpelado pela procuradora, que se disse surpresa com a informação, já que recebera do próprio diretor, por ofício protocolado, a informação de que os conceitos não haviam sido fornecidos.
O presidente, Arthur Orlando Lopes da Costa, reafirmou sua determinação de que o professor Ary Velloso fosse buscar o documento. O conselheiro retirou-se do plenário, regressando vinte minutos depois. Confirmou que a documentação estava afixada no quadro de avisos, desde o dia 14 de dezembro, assinada pelo professor Luiz Freire. O fato foi registrado.
Prosseguindo, o reitor informou sobre um ofício remetido ao Ministro da Educação e Cultura, denunciando às “perturbações” que a ADUR estava promovendo com a participação de cerca de 83 docentes. Denunciou incidentes como invasão de salas, ocupação do anfiteatro, contestação, publicação de boletins especiais desabonando a Reitoria e a retenção dos conceitos e provas, prejudicando especialmente 150 estudantes que não puderam formar. Ao encerrar, pediu para ser aprovado um requerimento para abertura de inquérito junto a Polícia Federal.
O professor Guilhermino Costa Souza propôs um voto de total apoio ao reitor, no que foi seguido pelos professores Homero Roberto Passos Werneck de Carvalho, Fausto Aita Gai, Henrique Boschi, Nei Queiroz Silva, Geraldo Goulart da Silveira e Octacílio Pinto Cordeiro de Souza.
O único voto discordante foi do professor Ary Velloso, que manifestou-se contra à rescisão do contrato do professor Walter Motta Ferreira. Foi interrompido pelo Reitor, dizendo que as medidas eram contra as “indisciplinas e insubordinações de um grupo de docentes, indisciplinas essas que culminaram com a sonegação de conceitos e provas”.
A moção de solidariedade proposta pelo professor Guilhermino Costa Souza foi assinada por todos, exceto pelo professor Ary Velloso. O reitor encaminhou o pedido de inquérito, ao mesmo tempo em que enviou à ADUR uma carta solicitando o cancelamento de sua inscrição. Apesar da retenção dos conceitos, a administração da Universidade manteve a cerimônia de formatura, embora sem fornecer o histórico escolar e o diploma.
Preocupados com os prejuízos aos formandos, e temerosos do inquérito policial, os dirigentes da ADUR decidiram consultar ao MEC. O consultor jurídico do MEC, Álvaro Campos, depois de reunir-se com os docentes, fez um apelo para que os conceitos fossem entregues, enquanto isso tentaria sustar o inquérito policial e o inquérito administrativo. Quanto à demissão, reiterou que seria examinada como recurso administrativo.
Seguindo as orientações do MEC, os professores entregaram os conceitos e suspenderam a paralisação, que ocorreria no início do ano letivo. Comunicaram suas deliberações para o Reitor, solicitando que fosse encerrado o inquérito administrativo e policial contra 83 professores. Nada foi obtido no encontro.
Vários professores foram chamados a depor. Ao mesmo tempo, a Reitoria começou a pressionar os professores que ocupavam funções gratificadas, e que se posicionaram contra a demissão, a entregarem seus cargos. Esse foi o caso da Diretoria do Instituto de Agronomia. Além dessas medidas, sete professores tiveram suas bolsas de pós-graduação canceladas.
Os alunos entram em cena
Antes de deflagrarem uma greve, no dia 19 de março, os alunos da Rural realizaram várias manifestações, para que a Reitoria recuasse de sua posição de não negociar a volta do professor Walter. Sem serem atendidos, resolveram realizar um ato público no pátio do MEC. Na presença do delegado do MEC, Marcos Almir Madeira, denunciaram as “arbitrariedades cometidas pela Reitoria”, principalmente no caso do Instituto de Agronomia, onde houve corte de verbas e pressões para afastamento do diretor, Doracy Pessoa Ramos, e do vice-diretor, Ary Carlos Velloso.
No dia 17 de março, cerca de mil estudantes reunidos em assembléia no campus, marcaram a greve geral para do dia seguinte. A greve durou 109 dias. O ambiente na Universidade era de terror. O presidente da ADUR, Jair Rocha Leal, antes de decidir comparecer a assembléia dos alunos, por escrito, solicitou permissão do Reitor, que a concedeu.
Em outras universidades, os estudantes estavam em greve: Viçosa (Minas) , Santa Catarina, Fortaleza e nas católicas de Salvador e Recife. Ao que se saiba, no entanto, em nenhum desses casos a atitude da administração fora tão repressiva e punitiva. Esse foi o objeto do comentário do jornalista Adolfo Martins, do Jornal dos Sports:
“(…) ganha contorno mais sério, vista de uma perspectiva maior. No meio educacional, ela expressa os sentimentos de uma minoria que ainda aspira a volta de uma universidade autoritária (para não dizer arbitrária), onde a autoridade é substituída pelo autoritarismo, onde o diálogo e o entendimento dão lugares à pressão e à ameaça.
A situação da Universidade Rural coloca em xeque a própria política de abertura, patrocinada pelo Ministério de Educação e Cultura, no sentido de fazer retornar ao meio universitário, o debate livre, o diálogo permanente, as reivindicações legítimas, sem que a resposta seja a palmatória, nas suas múltiplas manifestações.
O ministro Eduardo Portela, que definia o MEC como o “Ministério da Abertura”, ficara em uma posição, no mínimo, constrangedora. O jornalista citado cobrava um posicionamento oficial e via o caso da Rural como um termômetro para avaliar a consistência da política de abertura patrocinada pelo MEC.
Num ato público realizado na Associação Brasileira de Imprensa, dia 22 de abril, várias associações de docentes das universidades do Rio de Janeiro se solidarizaram com os professores da Rural: Pontifícia Universidade Católica, Universidade Federal Fluminense, Universidade Santa Ursula, Fundação Osvaldo Cruz, Faculdades Integradas Bennet e Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). Os apoios continuaram se somando, com o apoio de importantes entidades e personalidades do país: Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), parlamentares, Comissão de Justiça e Paz, por intermédio do Dom. Paulo Evaristo Arns, Arquidiocese de Nova Iguaçu, através do Bispo Dom Adriano Hipólito que designou o Padre João para acompanhar o caso. Isto, além dos já mencionados apoios do Ministro, Procuradoria e Delegacia Regional do MEC.
Diante do impasse, o Diretório Central dos Estudantes convocou os pais dos alunos da Rural para uma reunião no dia 7 de maio no Sindicato dos Professores no centro do Rio. Segundo o Boletim Informativo, a reunião contou com a presença de representantes da ADUR, da Comissão de Justiça e Paz de Nova Iguaçu e da Associação dos Amigos de Bairro de Nova Iguaçu. Seguindo a ampla corrente que se formava, os pais dos alunos da Rural divulgaram uma carta de apoio às reivindicações dos estudantes.
No jornal Ultima Hora, o articulista anunciou: Portela: manda ou sai. Comentando os acontecimentos, trascreveu o que disse o Reitor: “O ministro que cuide de segurar a posição dele, que anda muito balançada. Ele manda lá, se puder. Aqui mando eu.”
Nesse ínterim, o consultor jurídico do MEC, Álvaro da Silva Campos, deu parecer favorável a readmissão do professor Walter e censurou os procedimentos da reitoria, pelo “modo inusitado” com que negou o pedido de inquérito feito pelo professor. Por meio de um telex, no dia 15 de abril, o próprio ministro subscreveu o parecer. Além disso, através do seu chefe de gabinete, Hélcio Saraiva, houve uma censura pública ao Reitor e deixou claro que só não intervia diretamente, porque não tinha instrumentos legais para fazê-lo. A administração da Universidade, ao ser comunicada, decretou o recesso escolar.
Segundo o MEC a atuação do reitor da Rural destoava das demais universidades brasileiras, que tinham conseguido, através do diálogo e da procura de soluções, superar os problemas com os estudantes e com os professores. Para o ministro a “Universidade deve ter autonomia para resolver questões internas sem recorrer à elementos estranhos”, leia-se, Polícia Federal. Na mesma manifestação, o ministro rompeu o diálogo com o reitor, declarado como inútil.
No dia 12 de maio de 1980, após o Encontro Nacional Extraordinário das Associações Docentes, em Brasília, os representantes das ADs procuraram o ministro Eduardo Portella. Entre outros assuntos, o ministro afirmou que o reitor da Rural estava desvirtuando o conceito de autonomia universitária. Segundo ele, o reitor procurou “padrinhos”, fora do MEC para fortalecer a sua posição. Como disse:
“Cheguei a avaliar o peso específico de cada um desses padrinhos. Consegui convencer diversos deles. (…) Arthur já tentou falar comigo, mas, para demonstrar o meu desapreço pela sua conduta, eu não o recebi. Se eu tivesse poderes, não há dúvida de que já o teria afastado da Reitoria.”
Na medida exata em que cresciam as pressões externas e interna, a Reitoria se tornava mais agressiva e repressiva. No dia 5 de maio, durante a realização da assembléia dos estudantes, quatro guardas da polícia universitária, armados, impediram a entrada de representantes da imprensa. Alegaram estar cumprindo ordens do reitor em exercício, Vicente de Paulo Graça (vice-reitor). Esteve presente à assembléia o deputado federal Marcelo Cerqueira, em cujo discurso acusou “o autoritarismo e insanidade de uma autoridade universitária que se insubordina ao MEC”. O deputado prometeu intermediar uma audiência com o Conselho Federal de Educação. Apenas com dois votos contrários, a greve foi mantida.
No dia 7 de maio, dois membros do DCE foram à Resende, onde estava o presidente Figueiredo, entregar um carta expondo os problemas enfrentados na Rural. Não conseguiram falar com o presidente, apenas com um de seus assessores, que nada garantiu. No dia seguinte, voltaram a tentar, no Rio de Janeiro, durante uma visita à sede da Cruz Vermelha. A carta foi entregue através de uma repórter da Rádio Nacional.
A Reitoria mantinha um política sistemática de contra-informação, dizendo que a greve era parcial e que muitos estudantes não compareciam às aulas por receio de represálias. Um filme especialmente feito foi enviado para a televisão, mostrando alunos normalmente assistindo uma aula de Topografia (Disciplina extracurricular). No Instituto de Ciências Humanas e Sociais, um professor procurou um grupo de alunos, para assinarem a lista de presença, procurando fazer crer que estavam furando a greve.
Em resposta, os estudantes resolveram organizar uma vigília no pavilhão central da Universidade: “Ocupando o P1, estamos fazendo uso de um local que nos pertence, e no momento, estamos utilizando-o de forma que melhor nos convém”. Durante a vigília, às 9:00 hs da manhã, hasteavam uma bandeira negra a meio-pau.
Mas o que de fato preocupava os estudantes, era a perda do semestre. Sem nenhuma perspectiva de solução para a crise, 45 estudantes viajaram à Brasília, para tentar uma nova intermediação do MEC. Com esse propósito, foi nomeada uma comissão integrada por Raimundo Moniz de Aragão, ex-ministro e ex-reitor da UFRJ, o general João Bina Machado e o desembargador Ney Cidade Palmeiro, reitor da UERJ.
A comissão ouviu os representantes dos estudantes, da Reitoria e dos professores. O presidente da comissão, Raimundo Moniz de Aragão, afirmou não ter nenhuma objeção “a que o professor Walter volte para sua cadeira no Departamento de Produção Animal, mas se eu consigo isso, é outra coisa. O principal obstáculo continua sendo a recusa da Reitoria em aceitar a readmissão do professor.”
Na reunião da comissão com os representantes dos professores Jair Rocha Leal e Antônio Constantino dos Santos apresentarem três alternativas para solucionar a crise, em ordem decrescente de preferência: a) anulação do ato de demissão do professor Walter Motta, com ressarcimento dos prejuízos a ele acarretados; b) revogação da rescisão do contrato, sem prejuízo do recurso hierárquico encaminhado ao MEC; e, c) recontratação do professor pelo Departamento de Produção Animal.
Após ouvir as partes, a comissão propôs um acordo:
“a) contratação do professor Walter Motta, mediante proposta oriunda do Departamento de Produção Animal e observância dos trâmites legais e regimentais;
b) efetivação da contratação se e tão logo autorizada pelos colegiados competentes;
c) tramitação, dentro do menor prazo, da proposta de contratação referida no item a);
d) acatamento à liberdade do reitor de designar o professor contratado para realizar curso de pós-graduação ou participar de contrato ou convênio firmado com terceiro, compatível com a sua especialização;
e) cessação do Inquérito Administrativo contra 83 professores e cessação de qualquer atividade que se afaste da conduta universitária regular e que possa prejudicar, por qualquer forma, as atividades normais da Universidade.”
A Reitoria considerou o Termo aceitável, porém a Comissão de pais de alunos solicitou que fosse explicitado que as atividades voltariam ao normal após a contratação do professor Walter Motta.
O professor Jorge Ordaz, supervisor do MEC para o Ensino Superior, e o representante dos pais, o engenheiro Hélio Amorim, reuniram-se com o vice-reitor, que lhes disse textualmente: “a) o professor Walter jamais será recontratado pela Rural; b) nenhum Departamento proporá sua admissão; c) nenhum órgão colegiado aprovará tal admissão.”
Diante de tais afirmações, os representantes do MEC e dos pais perguntaram ao vice-reitor qual o significado, então, da assinatura do reitor no Termo de Acordo. O que foi respondido: “… o reitor não se oporia à contratação do professor Walter, caso as outras medidas fossem tomadas, mas que isso, evidentemente, nunca se daria.”
Os representantes dos pais, de comum acordo com o MEC, procuraram o chefe do Departamento de Produção Animal, Marcelo Mendes de Oliveira, para consultá-lo se ele assinaria o Termo de Acordo, como garantia para readmissão do professor Walter. O professor foi evasivo, disse que não estava acompanhado o assunto e esperaria uma orientação do Reitor. Logo depois, o representante dos país esteve com o Reitor, que ratificou as palavras do vice-reitor: o professor Walter “jamais seria readmitido na Universidade Rural”.
Diante do impasse, a comissão foi desfeita e a greve mantida.
Numa atitude isolada, um grupo de alunos enviou uma carta ao presidente João Batista Figueiredo pedindo sua mediação para solucionar a crise na Rural. Segundo eles “estão esgotadas todas as formas de negociação, entre os alunos e a Reitoria, e apelam para o reinicio das aulas.” O aluno Frank Garcia afirmou ao Jornal do Brasil: como apesar do Governo Federal ter escolhido a área agrícola como prioridade, a Universidade Rural, o maior instrumento da política educacional na área, permanece parada.
Segundo Adolfo Martins, do Jornal dos Sports, o deslocamento da reivindicação estudantil do Ministério para o Palácio do Planalto, aumentava o desgaste político do MEC que apesar de todas as gestões e tentativas, não conseguiu solucionar o problema da Universidade.
Com o prolongamento da greve e a falta de perspectivas, naturalmente surgiram divisões entre os alunos. Para o aluno de agronomia, Paulo Ribenboim, “o clima na Rural é de inteiro passionalismo e o fato de a maioria morar fora do Rio, contribuí para que a tendência estudantil que dirige o Diretório obtenha vitórias nas assembléias, prolongando a greve em prejuízo da maioria interessada em aulas”. Para outros, a maioria, a greve era justa, mas esgotara-se como forma de pressão, ressaltando no entanto a irresponsabilidade da administração.
Um grupo de alunos impetrou um Mandado de Segurança, onde alegavam estarem sendo impedidos de comparecer às aulas. O juiz da 9a. Vara Federal, Silvério Luiz Nery Cabral, negou o pedido. Tentaram então outra medida judicial, através de um pedido de “habeas-corpus”, julgado procedente pela Juíza da 4a. Vara Federal, Juliete Lung. Ta
Enquanto a Juíza da 4a. Vara Federal, concedeu o habeas-corpus a favor de um grupo de alunos contra a greve, o Juiz Mário Mesquita, concedeu um habeas-corpus para garantir que o reitor reiniciasse as aulas com apoio dos órgãos de segurança. Na sua fundamentação, justifica sua decisão: “(…) a ação de piquetes organizados por 100 alunos, deixa antever uma agressão perniciosa, que compete ao Poder Executivo coibir através da polícia e dos órgãos de segurança.”
A posição dos alunos e docentes, bem como do próprio Ministro da Educação, ficava cada vez mais enfraquecida. Os jornais do dia 26 de junho noticiavam seu pedido de demissão. Carlos Chagas, na sua coluna no Jornal do Brasil, noticiou que o ministro, Eduardo Portella, havia redigido uma carta de demissão, que não foi entregue, pois se o fizesse, teria sido aceita pelo presidente. Considerava ainda, que a situação do ministro ficara ainda mais vulnerável devido a greve dos estudantes da Rural.
“(…) forças estranhas envolveram-se, como sempre, oriundas de radicalismo opostos, uns tentando tirar partido da greve e promover agitação permanente, outros vislumbrando no cerne de tudo a infiltração subversiva
(…) Sua magnificência não concordou (com a readmissão),.aferrou-se aos que o sustentavam de Brasília, e o problema passou à esfera da Segurança Nacional (?), com os conhecidos órgãos de sempre recomendando até mesmo o fechamento da Universidade.
E concluiu: neste quadro, o caso específico da Rural, transformou-se num inequívoco termômetro para avaliar a consistência da política de abertura e de diálogo, reivindicada pelo Ministro Eduardo Portella. O episódio ganhou uma dimensão maior, exatamente por simbolizar um choque de diretrizes na condução da política educacional.
A impossibilidade efetiva do MEC ditar uma solução para o caso e a posição de intransigência assumida pela Universidade – escudada na autonomia universitária – colocavam em xeque os limites da política de distensão do governo. Houve setores do governo que endossaram a posição da Reitoria, em nome do “respeito à disciplina, à hierarquia e à autoridade universitária que, no entendimento dos adeptos dessa corrente, sairiam feridas se prevalecesse a posição pretendida pelos alunos e endossada pelo MEC.
109 dias depois a greve chega ao fim
Eram 8 horas da manhã, do centésimo dia de greve. Um caminhão, cinco carros de patrulha e dois camburões da 2a. Cia. Independente da Polícia Militar de Queimados, além de quatro carros da Polícia Civil, invadiram o campus da Universidade. Ao todo, eram 50 policiais, dos quais 20 da tropa de choque, com capacete e viseiras. O vice-reitor, Vicente de Paulo Graça, se fez de desentendido. Disse ao Jornal do Brasil que “levou um susto” quando viu os policiais, “que devem ter sido requisitados pela Juíza Juliete Lung, da 4a. Vara Federal”. O despacho da Juíza, porém, apenas autorizou o reitor a chamar a polícia, caso necessário.
Não houve conflito. A ação da polícia limitou-se a identificação de alguns estudantes que se aproximavam do prédio da Reitoria e a apreensão de 40 exemplares do jornal interno dos alunos.
Em sua nota oficial, a ADUR criticou o pedido de habeas-corpus para garantir uma a suposta liberdade de locomoção. Os estudantes, dizia a nota, não estavam sendo impedidos de entrar em sala de aula pela ação de piquetes. Já os estudantes, ironicamente, numa faixa fixada na Universidade, agradeceram à presença da polícia “por nos proteger contra a Reitoria”. Em reação, os grevistas anunciaram o início de uma greve de fome, para a qual imediatamente 17 voluntários se apresentaram.
Finalmente, após 109 dias de greve, os estudantes decidiram retornar às aulas. A assembléia foi realizada na igreja do Cruzeiro, cedida pelo padre João Diniz, da Diocese de Itaguaí. Compareceram cerca de 600 alunos, embora a Universidade tivesse a época 4 mil 500 alunos matriculados. O problema é que não foi possível comunicar a maioria dos alunos que durante a greve não permaneceram no campus da Universidade, visto que o restaurante estava fechado.
O Padre João Diniz, que participou da assembléia, lembrou o seqüestro do jurista Dalmo Dallari, da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, e frisou que “a turma vai sempre em cima de quem quer lutar pela justiça e temos que olhar para isto com normalidade, pois quem luta é aquele que, entre a vida e morte, opta pela vida”.
O professor Jair Rocha Leal, presidente da ADUR, lembrou o papel desempenhado pela comissão de pais de alunos da Universidade. O professor Walter Motta, muito emocionado, de costas para uma imagem de Cristo, disse que só poderia citar uma passagem da Bíblia e, sob aplausos, repetiu: “Bem-aventurados os que têm sede de justiça”.
Os estudantes decidiram retornar às aulas no dia seis de julho de 1980, com uma cerimônia de hasteamento da bandeira nacional no pavilhão central da Universidade. Exigiam, no entanto, a saída dos militares do campus.
A assembléia dos estudantes estendeu-se por três horas e o fim da greve não foi contestado por nenhum dos presentes. De acordo com os relatos, o fim da greve era parte de um acordo com o MEC, que depois contratou o professor Walter Motta como consultor técnico da Comissão Especial de Ciências Agrárias. A Reitoria, por sua vez, assumiu o compromisso de refazer o calendário de maneira a não cancelar o semestre. O inquérito policial foi arquivado. Os inquéritos administrativos, que ficaram a cargo dos conselhos departamentais de cada Instituto, foram concluídos com resultados desfavoráveis aos 83 professores indiciados. Todos perderam os cargos de chefia e foram suspensos por 15 dias sem direito aos vencimentos.
A administração da Universidade não tirou nenhum ensinamento de todo o episódio. Continuou conduzindo-a como se nada houvesse mudado, nem no interior da Instituição, nem no país. Pouco mais de um mês do final da greve, em agosto de 1980, seguindo os trâmites vigentes, um Colegiado escolheu o nome seis candidatos para enviar ao MEC para que esse escolhesse o novo Reitor. Deste Colegiado, somente seis membros tinham sido indicado pelos professores e nenhum pelos alunos.
A ADUR defendeu a eleição direta, com a participação de todos os segmentos da comunidade universitária. Numa nota amplamente divulgada, descreveu o processo como uma forma de perpetuação no poder do mesmo grupo que vinha dirigindo a Universidade. Embora um tanto longa, vale sua transcrição:
“O primeiro nome da lista sêxtupla, FAUSTO AITA GAI, é o ex-reitor do qual o atual Reitor foi Vice-reitor. O atual Reitor, por sua vez, na época de sua indicação, foi o 1o. da lista sêxtuplo indicada pelo ex-reitor. Este ex-reitor, que foi também Vice-reitor do Reitor que o antecedeu, é o atual Decano de Assuntos Financeiros.
O segundo nome da lista, VICENTE DE PAULO GRAÇA, é o Vice-reitor do atual Reitor. Foi Diretor do Instituto de Zootecnia nas gestões do ex-reitor (atual 1o. nome da lista) e do atual Reitor.
O terceiro nome da lista, HENRIQUE BOSCHI, é o atual Diretor do Instituto de Ciências Humanas e ex-decano de Ensino de Graduação do atual Reitor.
O quarto nome da lista, HOMERO ROBERTO PASSOS WERNECK DE CARVALHO, vice-diretor “Pro-tempore” do Instituto de Ciências Exatas nomeado pelo atual Reitor, foi recentemente o presidente de duas das cinco comissões de inquérito administrativo instauradas contra 83 professores.
O quinto nome da lista, ALCIDES CALDAS, não leciona mais na UFRRJ. Sua indicação causou surpresa pois só é conhecido pelos seus ex-colegas de Departamento, uma vez que só vinha a Universidade uma vez por semana e não participava da vida universitária.
O sexto nome da lista, HERCÍLIO VATER FARIA, está vinculado à atual Administração por três vias. É Decano de Ensino de Graduação, o Coordenador do Programa Interinstitucional de Capacitação de Docentes (PICD) e presidente da Comissão de Contratação de Docentes da UFRRJ. Foi também membro de uma das comissões de inquérito contra os 83 professores.”
Enquanto o país ia, pouco a pouco, se desfazendo do entulho autoritário do regime militar, a Universidade adotava o caminho contrário. Em 1980, dois dias antes de deixar o governo o general Geisel extinguiu as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs) nas Autarquias, Estatais e nas Universidades. O novo Reitor, Fausto Aita Gai, em abril de 1981, incluiu a Assessoria de Segurança e Informação (ASIs) no Regimento Interno da Universidade. Talvez este seja a atitude mais paradigmática da postura política dos dirigentes da Universidade naquela época. A internalização da ASI, em pleno processo democratizante, foi objeto de um artigo do professor Carlos Guilherme Mota. O professor, mostrava claramente que a abertura política ainda não havia chegado à universidade brasileira. Fato reconhecido por várias correntes de opinião e pelo próprio ministro da Educação e Cultura, Rubem Ludwig.
A postura conservadora da administração da Rural, no entanto, estava contra a maré. As mobilizações continuaram e aos poucos novos espaços de exercício democrático foram sendo alcançados. Em 1984, a comunidade acadêmica da Rural, liderada pela ADUR, organizou um processo eleitoral para escolha direta da lista sêxtupla para a Reitoria. Este processo contou com a participação de 93% da comunidade, votaram 2700 estudantes, 450 professores e 900 servidores. Concorreram 11 candidatos. Os seis mais votados para comporem a lista sêxtupla foram os professores Jair Rocha Leal, Antônio Constantino dos Santos, Manlio Silvestre Fernandes, Raimundo Brás Filho, Raul de Lucena Ribeiro e Roberto José Moreira. No entanto, a administração da Universidade desconheceu esta consulta e indicou através dos Conselhos superiores sua própria lista. Somente quatro anos depois a Rural incorporou o processo democrático de escolha dos seus dirigentes .
Bibliografia
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. O sindicato no Brasil; novos problemas, velhas estruturas. Debate e Crítica, n. 6, jul. 1975, p. 49-74.
______. Estado e Classes Trabalhadoras no Brasil (1930-45). 1978. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1978. (mimeo).
______. O sindicalismo brasileiro entre a conservação e a mudança. In: ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 191-214.
ALMEIDA, Agamenon; CARVALHO, Alba; MIRANDA, Dilmar; PINHEIRO, Francisco; POMPEU, Margarida. A crise da contemporaneidade e um novo fazer político. Universidade e Sociedade, n. 4, 1990, p. 84-90.
ANDES. Cadernos ANDES. 2. ed. atualizada. São Carlos: ANDES, jan. 1988.
______. Universidade e Sociedade. Brasília: ANDES, ano 2, n. 4, nov. 1992.
ANTUNES, Ricardo. A rebeldia do trabalho. São Paulo: Unicamp, 1988. 220 p.
______. O novo sindicalismo no Brasil. Campinas: Pontes, 1995. 85 p.
BALDIJÃO, Carlos Eduardo. ANDES – Breve História. Cadernos Andes, n. 1, São Carlos, jan. 1988, p. 7-11.
BOITO JR., Armando. Reforma e persistência da estrutura sindical. In: BOITO JR., Armando (Org.). O sindicalismo brasileiro nos anos 80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 43-79.
______. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise sindical. Campinas: Unicamp/Hucitec, 1991.
COELHO, Pedro Rabelo. Sindicalismo na universidade: um estudo do movimento docente. Santa Maria: SEDUFSM/ANDES-SN, 1996.
COSTA, Cândida da. Nem vítima nem vilão: reflexão sobre o servidor público no Brasil. São Luís: Mestrado em Políticas Públicas, 1997.
FONSECA, João Eduardo do Nascimento. Novos atores na cena universitária. Rio de Janeiro: UFRJ/NAU, 1996.
HIRATA, Helena. Movimento operário sob a ditadura militar (1964-1979). In: LOWY, Michael et al. Movimento operário brasileiro (1900-1979). Belo Horizonte: Vega, 1980.
IBRAHIM, José. Perspectivas do novo sindicalismo. São Paulo: Loyola-CEDAC, 1980. 62 p.
MACIEL, Osvaldo de Oliveira. Trabalhando a luta construindo (a) história. ANDES. Universidade e Sociedade, ano 2, n. 4, 1992.
MARTINS, Heloisa Helena Teixeira de Souza. O Estado e a burocratização do sindicato no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1989. 190 p.
NODARI, Eunice Sueli et al. Luta e resistência: APUFSC 20 anos. Florianópolis: Ed. UFSC, 1996.
OLIVEIRA, Ana Lúcia Valença de Santa Cruz. Sindicalismo bancário: origens. Rio de Janeiro: Oboré/Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários do Rio de Janeiro, 1990. 96 p.
______. O sindicalismo corporativo no Brasil – O caso dos bancários do Rio de Janeiro. Seropédica: EDUR, 1998.
RODRIGUES, Leôncio Martins. O declínio do sindicalismo corporativo. In: Sindicalismo e Democracia. Rio de Janeiro: IBASE, 1991. v. 3, 24 p.
SCALETSKY, Eduardo Carlos; OLIVEIRA, Ana Lúcia Valença de Santa Cruz. Iniciando na pesquisa: manual para elaboração da monografia e projetos de iniciação científica. 2. ed. Seropédica: EDUR, 1999.
WEFFORT, Francisco. Sindicato e política. 1972. Tese (Livre-Docência) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1972.
______. Origens do sindicalismo populista no Brasil. Estudos CEBRAP, São Paulo, abr./mai./jun. 1973.
______. Democracia e movimento operário: algumas questões para a história do período de 1945-1964. Revista de Cultura Contemporânea, ano 1, n. 2, jan. 1979, p. 3-11.
______. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 181 p.
